Taveira's Advogados

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terça-feira, 1 de maio de 2012

Um Deus desejável




O desenvolvimento tecnocientífico pode ser o fator principal do esvaziamento do religioso ou de sua transformação em evento emocional, não enraizado na vida e sem compromisso duradouro.


Para muitos hoje, Deus, ou qualquer divindade, não constitui mais uma evidência. Pessoas que já foram ferventes cristãos chegam a dizer, não apenas que Deus não lhes diz nada, mas que ele não tem nenhuma relevância, que é mais fácil ser bom e “ético” sem a idéia de Deus. Outros nascem e crescem, em cidades e campos onde uma vez floresceu a cristandade, sem que Deus lhes venha à mente. Igrejas e mosteiros se tornam vestígios, Semana Santa e procissões, eventos turísticos apoiados pela prefeitura, ou por alguma indústria ou rede bancária. E contudo, levam dentro de si os “valores cristãos”, mas parece que o tempo desfez o rótulo das garrafas.

A constatação é abrangente. Não se trata de um aspecto particular, por exemplo, a diminuição dos católicos diante dos evangélicos. O IBGE aponta um crescimento notável dos que se declaram sem religião tanto nas regiões de bem-estar no sul do Brasil como nos bairros pobres da Baixada Fluminense. Parece estar ligado à urbanização e à globalização. A religião (bem como a família) deixou de ser o “fundamento da sociedade”. Em tempos idos houve repressões à religião, perseguições até. Isso já não é necessário, a religião está sumindo por si mesma. 

Convém distinguir: parece que o que está desvanecendo são as instituições religiosas, as obrigações, e que ao mesmo tempo se desenvolve uma religiosidade mais livre, indisciplinada até (embora ao mesmo tempo se perceba mais rigidez na hierarquia). Porém, olhando de mais perto, vemos que a erosão cava mais fundo. Leio hoje mesmo no jornal o resultado de uma pesquisa nos Estados Unidos mostrando que a aprendizagem do pensamento analítico diminui o pensamento simbólico, que á a forma de expressão da religião. O crescimento da civilização tecnocientífica e instrumental (junto com o incremento do consumo, que lhe é inerente) pode ser o fator principal do esvaziamento do religioso ou de sua transformação em evento emocional, não enraizado na vida e sem compromisso duradouro. Em produto de consumo em vez de fundamento da vida.

Isso é uma constatação. Não devemos diante disso prorromper em lamurias desesperadas. Se nosso Deus não é mais forte que a hegemonia do tecnocientífico, não vale muito. O que constatamos talvez seja, antes, uma oportunidade. A aspiração, o desejo espiritual não diminui. Só que não é mais visto como alternativa do pensamento analítico: o milagre não é mais uma alternativa para a intervenção médica. Percebe-se melhor o âmbito próprio do desejo religioso: o âmbito do sentido último, no qual reconhecemos, decisivamente, apesar dos gigantescos progressos, o provisório e limitado do nosso conhecer. O que não é uma desvalorização desse conhecer, mas uma consciência mais sábia a respeito dele. Sabedoria que nos ensina, além de muitas outras coisas, que devemos procurar outros caminhos para nossa sociedade que não o do crescimento ilimitado e suicida de produção e consumo. Talvez surja daí a verdadeira revolução espiritual.

O Concílio Vaticano II – cujo jubileu celebramos, mas que já está sendo esquecido pelos jovens – mostrou um caminho: só o amor-caridade é digno de fé, sendo a verdadeira “visibilidade” da Igreja. No Concílio, a Igreja apareceu com uma nova face, mais amável. Mas esta face mais amável não é um truque propagandístico: é a  imagem do próprio Cristo, “rosto humano de Deus e rosto divino do homem”. 

Surgem comunidades mais fraternas, onde a palavra “irmãos” não é apenas um termo de tratamento, mas a expressão de verdadeira relação pessoal irmanal, tanto no espiritual como no material, pois, biblicamente, o “espírito” é a força de Deus que sopra em tudo o que existe e em tudo quanto fazemos. Comunidades de irmãos verdadeiramente “iniciados”, que não mais se sintam meros objetos da atividade pastoral, mas participantes de uma família. Comunidades onde vivam irmãos e irmãs capazes de transmitir o que receberam e onde possa estabelecer-se um diálogo aberto com o mundo, numa linguagem que também “os de fora” possam entender, de modo que a teologia não seja mais um código secreto reservado a alguns eleitos que nem os próprios irmãos não entendem. Comunidades onde não se imponham “fardos insuportáveis” aos de dentro, nem desnecessários aos de fora que procuram aproximação (cf. Atos dos Apóstolos 15,19). Numa palavra: comunidades em que Deus apareça não como imposto ou obrigatório, mas como amável e desejável.

Pois Deus não é a chave de nosso saber tecnocientífico, mas seu nome é o signo que marca o horizonte último de nosso desejo infinito, o qual tão facilmente procuramos satisfazer com satisfações limitadas, que talvez sejam a principal causa de que o signo no horizonte último se esconda.



Fonte: Johan Konings

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