Conceito
Segundo Orlando Gomes (2008:567), o contrato de alienação fiduciária conceitua-se como sendo “o negócio jurídico pelo qual o devedor, para garantir o pagamento da dívida, transmite ao credor a propriedade de um bem, normalmente retendo-lhe a posse direta, sob a condição resolutiva de saldá-la”.
Previsto inicialmente na Lei de Mercado de Capitais (Lei nº 4.728, de 14-7-1965), que lhe reservou tão-somente o art. 66, o contrato tinha por escopo dar garantia real aos contratos de abertura de crédito para a aquisição de bens móveis por parte do consumidor. Sua redação atual foi determinada pelo Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969. Posteriormente, a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel.
Objeto
Pelo mecanismo legal, na alienação fiduciária em garantia o devedor transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem. O alienante – devedor – passa a ser possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem. No caso de imóveis, a propriedade fiduciária é constituída mediante registro do contrato, no Cartório de Registro de Imóveis.
O domínio definitivo encontra-se sob condição resolutiva, daí por que a lei utiliza a expressão “domínio resolúvel”, visto tratar-se de domínio que jamais será pleno, nem tampouco definitivo. O credor possui uma propriedade restrita e transitória, enquanto não ocorrer a condição resolutiva. A condição resolutiva é uma garantia ao devedor: paga a dívida, ele adquire o pleno domínio sobre a coisa adquirida.
Na condição resolutiva, “enquanto esta não se realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido” (CC, art. 127) e, “sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se oposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé” (CC, art. 128).
O credor – também chamado financiador – empresta determinada importância ao devedor – denominado financiado – que, por sua vez, com o dinheiro obtido dessa operação, adquire um bem e, ato contínuo, o transfere, em garantia da primeira operação, ao seu financiador. O interesse deste último é receber o que lhe é devido e, quando isto ocorre, perde ele a propriedade do bem a favor do devedor, também chamado financiado, fiduciante ou alienante.
Aquele que recebe o financiamento – o devedor – aliena a coisa a favor do financiador do pagamento da dívida, caracterizando eficientemente o contrato: o bem é garantia do dinheiro entregue ao devedor.
Características
· A alienação fiduciária é um negócio jurídico oneroso, bilateral, acessório, típico e formal;
· A transferência da propriedade da coisa móvel ou imóvel ao credor fiduciário se dá com fins de garantia;
· Há desdobramento da posse: transferência da posse indireta ao credor fiduciário e da posse direta ao devedor fiduciante;
· A propriedade fiduciária é a nova modalidade de garantia real;
· A transferência da propriedade fiduciária ao credor se dá por força de lei, como garantia de cumprimento do contrato de alienação fiduciária;
· A alienação fiduciária provoca a transferência do domínio resolúvel do bem ao credor fiduciário;
· Contrato de alienação fiduciária se subordina às condições de validade dos contratos em geral;
· O contrato de alienação fiduciária deve ser elaborado por instrumento público ou particular e arquivado no cartório de registro de títulos e documentos;
· A prova da alienação fiduciária em garantia de veículo automotor se faz com a inscrição dessa condição no certificado de registro do veículo;
· O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa já alienada fiduciariamente, infringe o artigo 171, § 2º, I, do Código Penal.
Requisitos e forma do contrato
Os requisitos do contrato estão enumerados no artigo 66-B, § 1º, “a” a “d” da Lei nº 4.728/65. A lei exige forma escrita e instrumento público ou particular. O registro do contrato no cartório de títulos e documentos dá à propriedade fiduciária oponibilidade erga omnes (sobre todos). Enquanto a propriedade fiduciária não for registrada, não existe desdobramento da posse entre o alienante e o credor fiduciário.
Partes
São partes no contrato de alienação fiduciária em garantias o credor fiduciário e o devedor fiduciante. A instituição financeira é vista em sentido estrito, ou seja, as sociedades de crédito, financiamento e investimento autorizadas pelo Banco Central. Para o STF, são encaradas lato senso (ex.: bancos, consórcios etc).
Obrigação das partes
a) Credor
- Pôr à disposição do devedor valor do financiamento;
- Respeitar o uso regular da coisa pelo devedor;
- Aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito;
- Devolver ao devedor o valor remanescente da venda do bem, se houver, no caso de inadimplemento da obrigação;
- Transferir a propriedade ao fiduciante com o adimplemento da obrigação
- Registro do contrato no órgão competente.
b) Devedor
- Cumprir a obrigação assumida na forma avençada;
- Guardar e conservar a coisa depositada;
- Permitir o direito de fiscalização do credor;
- Não alienar ou dar em garantia a terceiros a coisa, sob pena de caracterização do crime previsto no artigo 171, § 2º, I, do Código Penal;
- Não reter a coisa depositada no caso de inadimplemento da obrigação.
Direitos das partes
a) Credor
- Tornar-se proprietário resolúvel da coisa;
- Receber o valor integral da dívida, incluindo os acréscimos;
- Vender a coisa a terceiros na hipótese de inadimplemento da obrigação do devedor;
- Considerar vencidas, de pleno direito, todas as obrigações, na hipótese de inadimplemento do devedor;
- Fiscalizar o bem;
- Ajuizar ação de busca e apreensão, depósito, execução, possessórias e, na falência, pedido de restituição;
b) Devedor
- Exercer a posse direta do bem, podendo usar, gozar e fruir;
- Receber o saldo existente no caso de venda do bem a terceiros;
- Requerer purga da mora;
- Obter a liberação do bem com o adimplemento da obrigação.
Aspectos processuais
Busca e apreensão
A ação de busca e apreensão é cabível em caso de mora ou inadimplemento do devedor. A maioria da doutrina entende tratar-se de cautelar de cunho satisfativo. Após reaver o bem, o credor deve proceder à sua venda para a satisfação de seu crédito. É nulo o ato de pagar-se ao credor com a própria coisa. Se o preço da venda não bastar para o pagamento do credor, o devedor continua obrigado pelo débito remanescente. A mora do devedor é ex re, decorrendo do simples vencimento do prazo para o cumprimento da obrigação. Deve ser comprovada por meio de notificação feita pelo cartório de títulos e documentos ou por protesto.[1]
Ação de depósito
Pode a ação de busca e apreensão convolar-se em ação de depósito na hipótese do bem não ser encontrado ou não mais estar na posse do devedor. Recebida a petição inicial, o devedor (depositário-fiduciante) deve ser citado para depositar a coisa em juízo, consignar o equivalente em dinheiro ou contestar, em cinco dias, sendo inadmissível a purga da mora.
Ação de execução
O credor pode optar pelo ajuizamento de ação de execução com base no contrato, que é um título executivo extrajudicial.
Falência das partes
O artigo 7º do Decreto-lei nº 911/69 assegura ao credor o pedido de restituição da coisa objeto do contrato de alienação fiduciária em garantia na falência do devedor, sem necessidade de habilitação nos autos da quebra. O credor não se sujeita à classificação dos créditos e pode reaver o bem imediatamente. Na falência do credor, a massa deve cobrar os créditos oriundos do contrato firmado no prazo previsto.
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