Taveira's Advogados

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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Bandidos, vagabundos e o Código de Ética da Magistratura

Será que devemos abandonar mais de duzentos anos de evolução e aprimoramento da ciência jurídica, baseadas nos valores de respeito às leis, objetividade, imparcialidade e dignidade da pessoa humana, pela hermenêutica do pão e circo?

Embora muito pouco lembrado pela imprensa e pela mídia em geral, nosso País possui desde agosto de 2008 um Código de Ética da Magistratura. Aprovado e editado pelo hoje badalado Conselho Nacional de Justiça, o Código de Ética estipula que o exercício da Magistratura exige conduta compatível com os princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro. Seu estudo é matéria obrigatória em todos os concursos públicos de ingresso na Magistratura, bem como objeto reiterado de cursos e palestras promovidos pelas Escolas Judiciais vinculadas aos Tribunais em todo o País.
Como bem salienta o Ministro João Oreste Dalazen na Apresentação ao Código de Ética, cada um dos princípios enunciados apontam para uma lista exemplificativa de regras, sem caráter exaustivo ou taxativo, porquanto se pretende que o Código atue como um instrumento maleável para a reflexão ética e pessoal de cada magistrado e magistrada. “É de intuitiva percepção, efetivamente, que os juízes não apenas devem ser pessoas virtuosas, mas também parecer tais”, conclui o Ministro.
É inegável que para a construção de uma sociedade democrática e solidária seja essencial um sistema judiciário não apenas independente e eficiente, mas também altivo e respeitado. A confiança pública no Judiciário passa também pela certeza da autoridade moral de seus Membros. A confiança da população na instituição Justiça exige do Juiz um comportamento íntegro, independente dos poderes (político e econômico) e o máximo de virtudes que puder ostentar. A confiança social na autoridade moral dos juízes fortalece a legitimidade do Poder Judiciário. A jovem democracia brasileira e as nossas instituições só têm a ganhar com isso!


Pois bem, abro o Código e leio o artigo 22: “O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça”. Ao que o Parágrafo Único complementa: “Impõe-se ao Magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível.” O exercício da Judicatura coloca aos Magistrados a tarefa de não só bem julgar, como também de ser polido e respeitoso. A exigência de um conteúdo correto (sentenças justas e no tempo adequado) se alia à necessidade de uma forma também adequada. Ainda que o comportamento humano objeto da decisão judicial seja abjeto e nos ofenda moralmente, a forma da decisão deve guardar dignidade e ser expressa em linguajar adequado, escorreito. O conteúdo juridicamente correto precisa encontrar a forma moralmente adequada.
Ainda que expressões como “bandidos de toga” e “vagabundos” sejam de imediata compreensão, não nos parecem exemplos de um linguajar polido e respeitoso. Estão longe disto.
Estabelecer padrões éticos de conduta supõe o desejo social de que estes mesmos padrões sejam repetidos, copiados e cultivados pela coletividade. A Ética é o valor social que almeja o Bem viver, o “con-viver”, o viver com respeito. Não existe a ética de um só! Imaginemos, então, que este novo padrão seja então valorizado, se espalhe e ganhe adeptos. Teremos então Juízes e Juízas de 1ª Instância se referindo aos advogados como “bandidos de gravata” ou aos membros do Ministério Público como “vagabundos”?! Bastaria que não os identificasse pelo nome, pois sempre haverá o risco do dano moral subjetivo. Bastaria, apenas, que a frase em tom de desabafo fosse lançada genericamente e atribuída a um grupo sem rosto, identificado por expressão não menos genérica: enfim, trata-se de uma minoria. “Minoria”, “maioria” ou “infiltrados”, não importa, o uso de expressões e qualificativos vulgares, ainda que de forte apelo popular, usados por Magistrados e demais membros do Poder do Estado ferem as Instituições; maculam a imagem pública dos próprios Poderes (não só o Judiciário); põem em risco a credibilidade social na Democracia.
Alguém poderia argumentar que uma coisa é a atividade judicante, o ato de julgar, e outra diversa, é a atividade em posição executiva ou mesmo correicional. Refiro-me à Direção dos Tribunais e principalmente aos Órgãos encarregados da fiscalização e punição dos comportamentos não só desviantes como, principalmente, ilícitos. A atuação do Código de Ética ficaria suspensa nesta seara? A fiscalização e a punição de Magistrados e Magistradas corruptos e/ou lenientes em seus deveres funcionais justificariam o uso de expressões moralmente pesadas e difamatórias? Parece-nos que não. Aliás, o próprio Código de Ética não se esqueceu deste importante aspecto, pois em seu artigo 23 dispõe que: “A atividade disciplinar, de correição e de fiscalização serão exercidas sem infringência ao devido respeito e consideração pelos correicionados.” A exigência de um comportamento ético é valor social mais alto e deve informar não só o comportamento dos Juízes no ato de julgar a sociedade como também a importantíssima atividade fiscalizatória e correicional de seus pares. Para estes a investigação e a punição devem ser exemplares, mas, em nenhum momento, devem infringir o devido respeito e consideração pelos correicionados.
A necessidade de depurar o joio do trigo, de separar os milhares de laboriosos e bons Magistrados e Magistradas que de forma abnegada se dedicam por todo o País à tarefa de julgar e distribuir justiça, das parcas dezenas de maus elementos que atuam desrespeitando a lei, é premente nos dias que correm. Contudo, tanto quanto apurar e punir os corruptos é absolutamente necessário preservar a dignidade das Instituições. O Judiciário brasileiro precisa, na atual crise, de um choque de transparência, não de um movimento orquestrado com intuito de abalar sua credibilidade e respeito públicos.
Aliás, sobre o princípio da Transparência, o artigo 12, inciso II, do Código de Ética da Magistratura brasileira determina que: “cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comunicação social, comportar-se de forma prudente e equitativa, e cuidar especialmente de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício da magistratura”.
O artigo 13 do Código complementa, dispondo que: “o magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza”.
É eticamente reprovável o Magistrado ou Magistrada que utiliza os meios de comunicação social com o intuito de mobilizar a opinião pública em favor de determinada tese jurídica ou determinado resultado. O espaço da divergência é outro: a crítica nos autos, a defesa deste ou daquele posicionamento em artigos e livros, acadêmicos ou de mera divulgação. Caso contrário corremos o risco de substituir a produção probatória nos autos e as disputas processualmente reguladas entre as teses jurídicas pelo julgamento do Panis et Circenses. Ensina a História que o Imperador Romano decidia sobre a vida ou a morte de seus súditos simplesmente ouvindo o rugido da massa popular que acorria ao Coliseu. Será que devemos abandonar mais de duzentos anos de evolução e aprimoramento da ciência jurídica, baseadas nos valores de respeito às leis, objetividade, imparcialidade e dignidade da pessoa humana, pela hermenêutica do Pão e Circo? Qual o tipo de Democracia pretendemos construir e legar para nossos filhos e filhas? Quais os valores éticos que devem informar nossas Instituições? 

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