Taveira's Advogados

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quarta-feira, 21 de março de 2012

Evicção

CAPÍTULO 9
Evicção – Art. 447 a 457

Conceito
Evicção ocorre quando o adquirente de determinada coisa a perde para seu real proprietário. É o chamado vício de direito. Vem do termo latino ex vincere, ou seja, vencer.

Ocorre quando determinada pessoa adquire bem de alguém que não é seu real proprietário. Exemplificamos. Se o comprador adquire um imóvel de quem se achava dono, mas a matrícula do bem era falsa, o real proprietário pode ingressar em juízo, reivindicando a propriedade para si e o alienante responderá perante o comprador pela perda da coisa.

Quando da vigência do Código de 1916, para ocorrer a evicção era absolutamente necessário que a coisa fosse perdida em razão de uma sentença judicial decorrente da ação reivindicatória (CC, 1916, art. 1.117, I). O atual Código Civil não traz esta exigência e a doutrina acaba por admitir a responsabilidade por evicção nas hipóteses em que a coisa é perdida em razão de apreensão por autoridade policial (VENOSA, 2003, v. 2, p. 583).

São três as partes envolvidas:
  • Evictor: o real proprietário que pretende reaver a propriedade perdida;
  • Evicto: aquele adquirente que tem a propriedade da coisa;
  • Alienante: aquele que alienou o bem ao adquirente.

A responsabilidade por evicção só se aplica às alienações onerosas (CC, art. 447), ou seja, àquelas em que houve prestação e contraprestações recíprocas. Aplica-se aos contratos de compra e venda, permuta e também dação em pagamento e sociedade empresarial. Deve haver a equivalência entre as obrigações das partes, e, portanto, as regras não se aplicam a liberalidades, tais como a doação pura e simples ou o comodato.

Entretanto, excepcionalmente, o doador terá a responsabilidade pela evicção. Se a doação ocorreu para casamento com certa e determinada pessoa, o doador responderá pela evicção, salvo ajuste em sentido contrário (CC, art. 552). Trata-se de hipótese em que o doador condiciona os efeitos da doação ao casamento do donatário com pessoa certa e determinada. Nessa hipótese, de aplicação muito restrita, como houve uma exigência pelo doador para que se aperfeiçoasse a doação (o casamento com Fulano de Tal), responderá o doador pela evicção.

Se a doação foi gravada com encargo, perde ela o caráter de pura liberalidade e o doador responderá também pela evicção.

O fato de a alienação do bem ter ocorrido sem o concurso da vontade do alienante não exclui esta responsabilidade. Assim, mesmo se o bem foi vendido em hasta pública, o alienante continua responsável pela evicção (CC, art. 447, segunda parte).

Também, relevante afirmar que a responsabilidade pela evicção independe da boa ou da má-fé do alienante. Ciente ou não do vício de direito, responderá pela evicção em se tratando de alienação onerosa da coisa.

Por fim, a responsabilidade por evicção permanece ainda que a coisa alienada esteja deteriorada, salvo se o evicto agiu com dolo e é responsável pela deterioração (CC, art. 451). Assim, se o adquirente dolosamente bate o carro que se perdeu, o alienante somente pagará o valor do carro danificado. Se a batida não ocorre por dolo, mas por simples culpa, o alienante paga o valor do carro, como se a batida não tivesse ocorrido.

Direitos do evicto em ocorrendo a perda ou destruição da coisa
O principal direito do evicto é o de receber o valor da coisa perdida e, sob a égide do Código Civil de 1916, discutia-se se o valor era o da importância paga pelo evicto (BEVILÁQUA, 1958, v. 4, p. 221) ou o valor da coisa em si, na data que se perdeu (MONTEIRO, 2003, v. 5, p. 64).

O atual Código Civil resolve o problema e determina que o preço a ser restituído ao evicto será o valor da coisa, na época em que se evenceu (CC, art. 450, parágrafo único). Assim, se o comprador pagou pela casa a quantia de R$ 100.000,00, mas na data da perda da coisa houve uma valorização do bem e a casa perdida valia R$ 150.000,00, o valor atual será o pago pelo alienante. Idêntico raciocínio se fará se o valor da coisa diminuiu quando da época da evicção.

Além do valor atual da coisa que se perdeu, o alienante deverá pagar ao evicto:
·         Valor dos frutos que o evicto restituiu ao evictor reivindicante (CC, art. 450, I);

·         Valor das despesas do contrato (custos com cartório para a lavratura da escritura, emolumentos e impostos incidentes, custos para registro da escritura) e os prejuízos da evicção (aluguel da casa que deixou de perceber), conforme entendimento judicial no caso concreto (CC, art. 450, II);
·         As custas judiciais e os honorários do advogado constituído para defendê-lo na ação reivindicatória que culminou com a perda da coisa (CC, art. 450, III).

Quanto às benfeitorias que tenha feito na coisa, o evicto receberá do alienante o valor das benfeitorias úteis e necessárias, salvo se tal valor tiver sido pago pelo evictor (CC, art. 453). Assim, em princípio, não teria direito a receber o valor das benfeitorias voluptuárias, podendo apenas retirá-las da coisa, desde que não importasse sua destruição.

Dos valores a serem pagos ao evicto pelo alienante, serão deduzidas as seguintes quantias:
·         Valor de benfeitorias pagas ao evicto pelo evictor reivindicante que tenham sido realizadas pelo alienante (CC, art. 453). Ora, se as benfeitorias na coisa foram realizadas pelo alienante e indenizadas pelo evictor ao evicto, este último teve um enriquecimento sem causa, pois ganhou por benfeitorias feitas por outrem. Assim, nada mais justo que o evicto restituir os valores ao alienante que construiu as benfeitorias.

·         Valor decorrente da deterioração da coisa com a qual lucrou o evicto e não foi condenado a indenizar o evictor (CC, art. 452). Assim, se a fazenda perdida para o evictor continha árvores que foram cortadas pelo evicto e vendidas para a fábrica de papel e celulose, o valor por ele auferido será descontado da restituição por parte do alienante, já que o evicto lucrou com a deterioração da coisa. O direito de o alienante exigir o abatimento de tais quantias só não ocorrerá se o evicto foi obrigado a indenizar o evictor pela venda da madeira.

Caráter dispositivo da responsabilidade do alienante
A responsabilidade do alienante, no sistema do Código Civil, é de direito dispositivo e poderá ser reforçada, diminuída ou simplesmente excluída pelas partes (CC, art. 448). Decorre do acordo de vontades e, portanto, se houver vantagens ao adquirente, pode este concordar com a exclusão da garantia.

Devemos entender que este reforço de garantia não poderá ser ilimitado a ponto de significar verdadeiro enriquecimento sem causa do adquirente. O limite do reforço será o valor total dos prejuízos sofridos pelo adquirente. Podemos aplicar por analogia a restrição ao valor do seguro de dano (CC, art. 778) e da cláusula penal (CC, art. 412).

A redução, ou seja, a responsabilidade parcial, é permitida, bem como a total exclusão de responsabilidade (pactum de nom praestanda evictione).

Entretanto, esta exclusão de responsabilidade sofre certas limitações e deve ser entendida de acordo com os termos do contrato firmado pelas partes (CC, art. 449). São três as possibilidades eventuais:
  • O contrato contém cláusula expressa de exclusão de responsabilidade e o evicto é informado de que sobre a coisa alienada pende litígio (ação reivindicatória). Neste caso, o contrato é aleatório, já que sabe o adquirente, evicto, que poderá perder a coisa e, portanto, o alienante se exime de toda e qualquer responsabilidade (CC, art. 457);

  • O contrato contém cláusula expressa de exclusão de responsabilidade, mas o evicto não tem ciência específica do risco que corre de perder a coisa. Nesta hipótese, o alienante continua responsável pelo preço recebeu pela coisa perdida;

  • O contrato contém a cláusula de exclusão de responsabilidade; o adquirente é avisado do risco de perda (ação reivindicatória), mas não o assume. Neste caso, mesmo estando ciente, o evicto não assume os riscos; tem o evicto o direito de receber o preço que pagou pela coisa perdida.

Para que não responda o alienante por absolutamente nada, este deve informar ao adquirente dos riscos da coisa (CC, art. 449), ou seja, que existe uma ação reivindicatória em curso contra ele. Na hipótese de ter informado o adquirente, este assume o risco pela perda da coisa e estamos diante de um caso de contrato aleatório.

Evicção parcial
Evicção parcial é aquela em que o evicto perde apenas parte ou fração da coisa alienada, e duas são as possibilidades para o evicto se isto ocorrer. Se for considerável a evicção, pode o evicto optar entre a rescisão do contrato ou a restituição de parte do preço correspondente ao desfalque sofrido (CC, art. 455).

A idéia de perda considerável significa que a parte perdida compromete o negócio como um todo, ou seja, que a perda é relevante para o negócio em questão. Imaginemos que um sujeito compra determinado lote de 10.000 mt2 para a construção de uma fábrica. Se em razão da evicção ocorre a perda de 6.000 mt2, a perda é considerável, já não poderá mais realizar a construção pretendida.

Então, poderá optar pela resolução do contrato (o termo rescisão não é o mais adequado para a hipótese em questão), recebendo integralmente o preço pago na época da sentença que determinou a evicção.

Por outro lado, pode optar por ficar com parte da coisa. Assim, se a perda da coisa for parcial, de acordo com a parte da coisa perdida (CC, art. 450, parágrafo único). Imaginemos que o evicto adquire cinco vacas leiteiras e perde três delas em razão de evicção. Optando o evicto por permanecer com as duas vacas, o valor a ser restituído será apenas o das vacas perdidas, sempre na época em que houve a sentença declarando a evicção.

Entretanto, se a perda não for considerável, somente caberá À indenização, mas não à resolução do contrato (CC, art. 455). Trata-se de decorrência do princípio da conservação dos negócios jurídicos. Se a perda for mínima, mantém-se o negócio e a indenização só recairá sobre o valor perdido.

Exemplifiquemos: se o evicto compra um lote de terra com 100 alqueires e, por evicção, perde quatro alqueires, somente poderá exigir a indenização com relação à terra perdida, mas não a resolução da compra como um todo.

A polêmica questão da necessidade de denunciação da lide ao alienante
Para que o evicto possa exercer os direitos decorrentes da evicção, deve notificar o alienante de imediato ou qualquer dos anteriores do litígio, na forma da lei processual vigente (CC, art. 456).

O Código de Processo Civil determina que cabe ao evicto promover a denunciação da lide com relação ao alienante (CPC, art. 70, I), instaurando-se, assim, uma lide secundária entre eles.

A lei processual diz ser a denunciação obrigatória, ou seja, sem ela o evicto decairá do direito de pleitear as verbas decorrentes da evicção. Essa é a interpretação da doutrina em razão do imperativo do verbo notificar (“o adquirente notificará do litígio“), que já estava presente na redação do Código Civil de 1916 (art. 1.116) e continua presente no vigente Código Civil (art. 456).

Entretanto, parte da doutrina, com base nos princípios que vedam o enriquecimento sem causa, admite que os direitos decorrentes da evicção sejam exercidos por ação autônoma, ainda, que a denunciação do alienante não tenha ocorrido (VENOSA, 2003, v. 2, p. 585, e GONÇALVES, 2004, v. 3, p. 126). Acolhendo essa segunda opinião, da não-necessidade de denunciação, verificam-se vários acórdãos do Superior Tribunal de Justiça.

A segunda das correntes nos parece mais acertada. Não se pode olvidar que, muitas vezes, a evicção ocorrerá não em decorrência de um processo, mas por ato da autoridade policial (que apreende o carro do evicto). Neste caso, seria impossível uma denunciação obrigatória se sequer há processo entre o evictor e o evicto.

Interessante notar a regra pela qual se permite a notificação não só do alienante imediato, como também de qualquer dos anteriores. Em que pese a relação do direito material ter ocorrido entre o evicto e o alienante imediato, a responsabilidade de todos os alienantes que participaram da cadeia na qualidade de proprietários da coisa persiste.

Por fim, o adquirente evicto terá a faculdade de não contestar a lide proposta pelo evictor se, feita a denunciação, o alienante não se manifestar, ou for manifesta a procedência da evicção (CC, art. 456, parágrafo único). Se o evicto percebe que comprou determinado terreno cuja matrícula foi evidentemente falsificada (exemplifiquemos com a hipótese em que uma quadrilha de falsários adultera inúmeras matrículas de imóveis de determinada cidade, sendo a informação veiculada pela imprensa) e não tem nenhum argumento para sua defesa, pode deixar de contestar e promover apenas a denunciação da lide. Diante da falta de resistência à pretensão do evictor, não será o evicto condenado em verbas honorárias ou custas processuais.







   




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