Taveira's Advogados

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quarta-feira, 21 de março de 2012

Direito empresarial (Aula 05)

Vícios redibitórios
Art. 441 a 446

8.1. Conceito e requisitos

Vício oculto é aquele defeito cuja existência nenhuma circunstância pode revelar, senão mediante exames ou testes. É o vício que desvaloriza a coisa ou torna-a imprestável ao uso a que se destina (CC, art. 441). Como é comum na doutrina, tal vício é chamado de redibitório, pois confere à parte prejudicada o direito de redibir o contrato, devolvendo a coisa e recebendo do vendedor a quantia paga.


O termo vem do brocardo latino “redhibere est facere rursus habeat venditor quod habuerit, redhibitio est apellata, quase redditio”. Porém, conforme leciona Serpa Lopes (1996, v. 3, p. 175), o termo vício redibitório é incompleto, pois a conseqüência da existência do vício oculto não é a simples redibição do contrato, mas a possibilidade de abatimento do preço por meio da ação quanti minoris. Assim, melhor é a utilização da expressão vício oculto em contraposição à noção de vício aparente.

Essa também foi a opção do Código de Defesa do Consumidor ao tratar da matéria. Merece aplausos o diploma, pois nas relações de consumo, várias serão as opções do consumidor, a seu critério, optar por trocar a coisa defeituosa por outra da mesma espécie, entre outras.

É imprescindível a presença de certos requisitos para a existência de um vício oculto. Assim, nos termos do Código Civil, mister se faz a presença dos seguintes requisitos para a caracterização da responsabilidade do alienante pelo vício oculto: (1º) a coisa ter sido recebida em virtude de um contrato comutativo (pode ocorrer na locação, empreitada, compra e venda e doações onerosas); (2º) vício deve ser prejudicial à utilidade da coisa ou determinante da diminuição de seu valor; (3º) deve ser oculto; (4º) deve existir no momento do contrato, mas manifestar-se apenas após a sua conclusão.

Se o vício é superveniente, pois surge e passa a existir após a tradição do bem, estaremos diante da regra res perit domino e, portanto, o adquirente deverá arcar com os prejuízos decorrentes do vício. Com a tradição, transferem-se ao adquirente os direitos e as obrigações sobre a coisa e também eventuais ônus recaiam sobre ela.

Entretanto, se o vício já existia em forma embrionária antes da tradição, mas produz efeitos após ocorrer a tradição, pouco importa se a coisa pereceu, ou seja, não mais exista, pois a responsabilidade do alienante persiste (CC, art. 444).

Questão interessante de abordar diz respeito ao vício oculto que surge após o aperfeiçoamento do contrato, mas antes da efetiva tradição do bem, ou seja, antes da efetiva execução da obrigação contratual. Nessa hipótese, como apenas a tradição transfere a propriedade, nos termos do Código Civil, entendemos que o vício será considerado oculto e a responsabilidade será do alienante. Ao contrário, o direito francês preconiza que, o simples contrato não transfere a propriedade, gerando apenas um dire4ito à coisa (jus ad REM) e não sobre a coisa (jus in re). É o princípio “tradionibus, non pactis, dominia rerum transferuntur”.

Apenas após a tradição é que o alienatário passa a ser dono e a assumir os riscos da sua condição, arcando com o ônus da regra res perit domino.

O vício oculto que surge após o aperfeiçoamento do contrato, quando há convergência de vontades, mas antes da execução do acordo e da tradição (fator de transferência de propriedade), será de responsabilidade do alienante, que não poderá invocar o conceito de superveniência do mesmo.

8.2. Direitos e faculdades ao adquirente
Ao adquirente, a lei faculta a opção de devolver a coisa e receber de volta o preço pago, ou ficar com a coisa pleiteando apenas um abatimento no preço (CC, art. 442). A opção é um direito incondicionado do adquirente e independe da extensão do defeito.

Note-se que a responsabilidade do alienante independerá do fato de este conhecer ou não o vício oculto da coisa alienada. Entretanto, se houver má-fé do alienante que, ciente do vício oculto, aliena a coisa, assumirá a responsabilidade pelos prejuízos causados (CC, art. 443).

Em que pese o fato de o Código apenas salientar a hipótese de restituição do valor pago, a regra deve ser interpretada extensivamente: se o alienatário optar pela ação estimatória (quanti minoris), poderá cumular seu pedido com as perdas e os danos previstos neste dispositivo, cujo objetivo é punir aquele que agiu de má-fé, desrespeitando princípio geral de direito.

Assim, se o vendedor desconhecia o vício, não será responsabilizado por perdas e danos eventualmente causados ao adquirente, mas somente restituirá o valor do recebido e as despesas do contrato.

As conseqüências da ciência do vício pelo alienante e o seu silêncio vão mais longe. A primeira delas, já comentada, diz respeito à impossibilidade de se firmar cláusula de irresponsabilidade se o vendedor já tinha ciência do vício. Nessa hipótese, nenhum valor terá a cláusula em virtude do dolo.

A segunda é a seguinte: se o vendedor encobre um dano, ainda que aparente, há o dever de indenizar. Isso porque, no caso de má-fé do alienante, entende a doutrina que há verdadeiro plus na responsabilidade, como forma de proteção da parte inocente. Pedro Romano Martinez (2001, p. 182) é claro ao afirmar que, se o devedor encobriu um vício aparente ou garantiu sua inexistência, tem-se tal vício como oculto para fins de proteção.

Se a má-fé é punida, o desconhecimento do vício pelo alienante não o exonera da responsabilidade, sendo, portanto, irrelevante a sua boa-fé. Essa era a exata disposição do art. 1.102 do Código Civil de 1916, que não encontra artigo análogo no Código Civil vigente. Entretanto, ressalta-se que o fato de não haver lei expressa nesse sentido não altera a questão, pois a obrigação tem fundamento na boa-fé objetiva (CC, art. 422), sendo irrelevante a ciência do alienante para que surja sua responsabilidade pelo vício oculto. Assim, a supressão do art. 1.102 em nada muda a responsabilidade do alienante, ainda que não tenha ciência do vício oculto da coisa.

Ressalva-se o direito à convenção de cláusula expressa em sentido contrário, o que confere à norma caráter dispositivo e não cogente.

Assim, irrelevante o conhecimento do vício para que surja o direito à redibição ou o abatimento do preço, sendo desnecessária tal prova. Já a questão da má-fé deverá ser provada pelo alienatário para que obtenha a reparação de perdas e danos, podendo sempre o alienante, a seu turno, provar que o adquirente tinha ciência do vício ou que esse era aparente, par ilidir qualquer responsabilidade.

8.3. Prazos para o exercício dos direitos
Os prazos para a interposição das ações redibitórias ou quanti minoris têm natureza decadencial (CC, art. 445), em razão da natureza da tutela que se pleiteia.

Agnelo Amorim filho (1960, p. 16) esclarece a diferença entre a prescrição e a decadência com base na espécie de ação judicial: sendo ela constitutiva positiva ou negativa (tal como a redibitória), o prazo será decadencial; já nas ações condenatórias, o prazo será prescricional. Isso porque as ações condenatórias são meios de proteção daqueles direitos suscetíveis de violação (direito a uma prestação negativa ou positiva de outrem) e as ações constitutivas são meios de exercício daqueles direitos insuscetíveis de violação (direitos potestativos – que são os poderes que a lei confere a determinada pessoa de influir, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras sem o concurso de vontades destas).

Acolhendo o entendimento supra, o Enunciado nº 28 da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos judiciários do conselho da Justiça Federal no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado de Aguiar o informa que o disposto no art. 445, § § 1º e 2º, do Código Civil reflete a consagração da doutrina e da jurisprudência quanto à natureza decadencial das ações edilícias.

Previa o Código Civil de 1916 que o início do prazo de 15 dias para as ações redibitórias e estimatória, na hipótese de vício oculto de bens móveis, nos termos do art. 178, § 2º, contava-se da tradição da coisa. Com relação aos imóveis, o prazo era de seis meses, contado também da tradição da coisa. Explica Pontes de Miranda (1962, t. 38, p. 298) que a pretensão à redibição nasce quando o outorgado recebe o bem com vício do objeto e, por isso, a lei fixou o início do prazo preclusivo com a tradição, que nada tem com o conhecimento do vício.

a)     Duas espécies de vício oculto no Código Civil (2002)
O Código Civil traz duas situações distintas: aquelas em que o vício redibitório pode ser conhecido desde logo (CC, art. 445, caput) e, nessa hipótese, o prazo decadencial se inicia com a entrega efetiva da coisa ou da alienação, se o adquirente já estava na posse do bem; e aquelas em que o vício, por sua natureza, só pode ser conhecido mais tarde e, então, o prazo só se inicia no momento em que o adquirente tomar ciência do vício (CC, art. 445, § 1º). Há duas contagens de prazo distintas, pois o diploma cria duas espécies de vícios ocultos.

Caberá à doutrina e à jurisprudência fixar o conceito de vício oculto que, por sua natureza, só pode ser conhecido a posteriori. Podemos dizer que certas doenças, que têm um período de incubação, são vícios ocultos que, por sua natureza, se manifestam mais tarde. Os veículos adquiridos que manifestam um vício nos faróis que, depois de três anos de uso, deixam de funcionar, por exemplo, certamente têm um vício que somente se manifesta, por sua natureza, mais tarde.

O mesmo ocorre com o touro que, não tendo impotência coendi, tem impotência generandi, por ter número muito baixo de espermatozóides. Já se o mesmo touro tiver impotência coendi o vício não se manifesta mais tarde, mas no ato, pois basta o contato com uma vaca em período fértil para se perceber que a cópula não ocorre. No primeiro caso, apenas após alguns meses se perceberá que as vacas não ficaram prenhes mesmo tendo havido a cópula. No segundo caso, no momento subseqüente à alienação, o adquirente perceberá que o touro não consegue sequer copular. Entretanto, em que pese o exemplo ser útil para que diferenciemos os vícios que são conhecidos mais tarde dos demais, as regras referentes a compra e venda de animais são especiais e terão prazos igualmente especiais, conforme exemplificaremos adiante.

O código Civil corretamente disciplinou a matéria, na medida em que condiciona o início dos prazos de decadência ao conhecimento do vício pelo adquirente. E, após o conhecimento do vício, limita o exercício da redibição ou abatimento ao prazo de seis meses para bens móveis e um ano para imóveis.

A única crítica que se faz ao Código Civil de 2002 diz respeito à separação dos vícios ocultos em dois grupos: os desde logo constatados e os que, por sua natureza, forem constatados mais tarde. A regra da ciência do vício como termo inicial da contagem de prazos poderia ter sido adotada para toda e qualquer espécie de vício oculto. Entende-se que essa separação poderá gerar problemas práticos até que a jurisprudência delimite com precisão nos casos concretos como se diferenciar uma espécie da outra. O vendedor, em princípio, não saberá até quando perdurará a sua responsabilidade e o adquirente, por outro lado, não saberá precisar até quando poderá exercer sua garantia à redibição ou ao abatimento do preço.

De qualquer forma, pondera-se que a regra do caput do art. 445, que desconsidera a ciência do vício e dá início à contagem do prazo a partir da efetiva tradição (ou da alienação na hipótese de posse prévia da coisa), é menos justa, mas por outro lado gera menos insegurança jurídica. Isso porque o alienante sabe, objetivamente, por qual período será responsável por eventuais vícios ocultos. Já quando adotamos a regra do § 1º do artigo em questão, o adquirente ficará mais tranqüilo sabendo que, da ciência do vício, poderá pleitear a redibição ou abatimento em 180 dias (bens móveis) e um ano (bem imóvel).

Em que pese o fato de o art. 445 ter disciplinado duas situações distintas: vícios que por sua natureza podem ser reconhecidos em menor espaço de tempo e vícios cujo aparecimento demoraria mais tempo (por isso o art. 445 usa a expressão mais tarde). Claro está que o Código Civil de 2002 continua a disciplinar apenas os vícios ocultos, agora divididos em duas espécies, mas não os aparentes que estão expressamente excluídos por força do art. 441.

b) Impedimento da fluência do prazo decadencial
O Código Civil de 2002, de maneira inovadora, determina que não correrão os prazos decadenciais do art. 445 na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos 30 dias seguintes ao seu descobrimento sob pena de decadência (CC, art. 446).

O dispositivo em questão não encontra regra análoga no Código Civil de 1916. Utilizando a expressão não correrão os prazos do artigo antecedente, o artigo prevê o fenômeno do impedimento da decadência, que é permitida expressamente pelo Código de 2002 (art. 207), pois o prazo sequer se inicia.

Não se trata de suspensão nem de interrupção do prazo. Nas hipóteses de suspensão, o prazo que já se iniciou pára de fluir por determinado período de tempo e, depois, volta a fluir do dia em que parou. No caso de interrupção, o prazo se reinicia desconsiderando-se o prazo fluído anteriormente ao evento interruptivo.

A regra é inovadora por três razões: a primeira delas é que expressamente permite o impedimento da decadência, fulminando com a clássica diferença estabelecida pela doutrina de que somente a prescrição sofre os fenômenos do impedimento, suspensão ou interrupção. Portanto, os prazos decadenciais previstos no art. 445 não se iniciam durante o período da garantia contratual concedidos pelo vendedor ao adquirente. Somente começam os prazos decadenciais após o término da garantia. A idéia de impedimento da prescrição está prevista no Código Civil com relação aos cônjuges na constância do casamento (art. 197, I), entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar (art. 197, II), contra os absolutamente incapazes (art. 198, I), entre outros; e, também, vinha prevista no Código Civil de 1916 (art. 168 e 169).

A segunda razão do caráter inovador da regra diz respeito à expressa previsão da garantia como causa de impedimento da decadência, isto porque, a existência de garantia, na vigência do Código Civil de 1916, não gerava qualquer conseqüência para os prazos de redibição ou abatimento do preço.

Com o Código Civil de 2002, a existência de uma garantia significa que os prazos decadenciais não se iniciam. Ora, como causa impeditiva da decadência que é, o adquirente terá grande vantagem, pois poderá contar com prazos certamente superiores àqueles previstos no art. 445 para exercer seu direito. Imaginemos aquele alienante não fornecedor que dá garantia contratual de quatro anos (e.g., válida até a copa de 2010). Apenas depois de esgotada a garantia teria início do prazo para redibição ou abatimento. Frise-se que não se trata de fornecedor, e, portanto, não se trata de relação de consumo, pois, se fosse, aplicar-se-ia as regras do Código de Defesa do consumidor e não o código Civil.

A terceira e última razão para que apontemos o caráter pioneiro da regra diz respeito à segunda parte do art. 446, que expressamente determina ao adquirente que denuncie “o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento sob pena de decadência”.

Portanto, embora haja previsão de uma causa impeditiva de fluência do prazo decadencial, há também um dever imposto ao adquirente; informar ao alienante a existência do defeito em até 30 dias após o seu descobrimento. O legislador cria uma decadência intercorrente, pois dá ao adquirente prazo exíguo de 30 dias para que informe ao alienante, sob pena de perder o direito à redibição e ao abatimento. Caso o adquirente não cumpra o dever legal de informação no prazo de 30 dias, sofrerá a sanção de decair em seu direito. O dever de denúncia dos vícios previsto neste artigo está restrito exclusivamente às hipóteses em que há uma garantia estabelecida.

Assim, o dever do adquirente de informar o alienante do vício em 30 dias do seu descobrimento não pode ser considerado como objeto principal do contrato de compra e venda, por exemplo, mas foi alçado à condição de dever anexo por força de lei. Portanto, se na compra e venda a principal obrigação do comprador é pagar o preço, e, na locação, é pagar o aluguel, tais obrigações fazem parte do vínculo principal e decorrem dos tipos contratuais em questão, independentemente do princípio da boa-fé.

Já o dever de informar criado pelo Código Civil em seu art. 446 é anexo e não decorre do vínculo contratual em si. E a própria lei traz a sanção para a hipótese de inadimplemento desse dever, que é a decadência do direito à redibição ou ao abatimento do preço. Cabe mencionar que, na opinião de Antonio Junqueira Azevedo (2000, p. 14), o Código Civil não contém as funções supplendi e corrigendi, mas apenas a adjuvandi, e essa ausência seria amostra de insuficiência e deficiência a propósito da boa-fé nos contratos.

c) Venda de animais
Com relação à venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria (CC, art. 445, § 2º).

Para a hipótese específica de venda de animais, e note-se que a regra não abrange, por exemplo, a locação, os prazos decadenciais são especiais. Deverão ser fixados por lei especial a respeito do tema, que certamente levará em consideração as espécies de animais e os diversos tipos de vícios ocultos (em geral doenças) que poderão causar a redibição do negócio.

Há, no Brasil, praças famosas pela venda de animais, como por exemplo, a cidade de Araçatuba, em que há venda em grandes quantidades de gado bovino. Em praças como essa, certamente os usos locais estabeleceram algumas normas especiais referentes à compra e venda. Resta saber se os usos locais garantirão maior segurança aos negócios jurídicos e se realmente muitas praças têm usos específicos com relação aos vícios ocultos dos animais. Tem-se conhecimento de que, normalmente, os usos e costumes dizem respeito as forma e prazos de pagamento, o que permite aos negociantes capital de giro, pois pagam pelo animal decorrido o prazo de 30 dias. Apenas após o abate do animal e a venda a terceiros, pagarão ao vendedor.

Mas o Código Civil determina que, na falta dos usos locais, aplicam-se as normas contidas no § 1º do art. 445. Assim, para a venda de animais, antes da promulgação de lei especial, e não existindo prazos determinados por usos locais, valem apenas as normas do § 1º do art. 445 e não aquelas previstas no caput do artigo. Assim, para a venda de animais, os prazos se iniciarão da ciência do vício pelo adquirente e não da entrega da coisa (caput), podendo reclamar o comprador em até 180 dias (prazo também decadencial).

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