Taveira's Advogados

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sábado, 12 de setembro de 2015

O cinto da presidente

A mudança principal na presidente diz respeito à sua fala.
Por Fernando Fabbrini

Não sei se vocês também notaram, mas percebi uma mudança radical na nossa presidente.

E não estou falando de sua silhueta, elegantemente adelgaçada nos meses seguintes à posse. Neste aspecto, Dona Dilma deve ter contado com os serviços de uma fantástica nutricionista, um personaltop, um cozinheiro francês mestre em pratos diet, uma costureira mágica e outras mordomias ao alcance da primeira mandatária – tudo pago por nós. Sabe-se que ela também adotou hábitos mais saudáveis, tipo pedaladas matinais nos arredores do Alvorada. Por conta disso, perdeu muitos quilos, reduziu o manequim e hoje conquistou seu espaço enquanto mulher magra, poderosa, realizada e feliz. 

Entretanto, a mudança principal que notei diz respeito à sua fala. É certo que os discursos de Dona Dilma não são um primor de lógica e oratória, misturando a euforbiácea – vulgarmente conhecida como mandioca - aos nomes errados das cidades e lembrando-nos que por trás de toda criança existe um cachorro. Porém, insisto: a mudança foi no discurso. Reparem que nossa presidente passou do eu arrogante, onipresente no primeiro mandato, para o conciliador e bonitinho nós – pronome repetido com frequência assustadora nas suas falas dos últimos dias. O que teria acontecido?
A resposta nos envia provavelmente ao círculo restrito do Palácio, ao Núcleo Duro do Poder onde poucos são admitidos. Ali, o gênio marqueteiro que conduz a presidente pelos caminhos instáveis das pesquisas teve uma epifania. Depois de tentar escrever pela enésima vez o texto do pronunciamento que Dona Dilma faria na TV, ele fechou o notebook e levou as mãos à testa:
—Parem! Parem! Está tudo errado!
Levantou-se, caminhou pela sala lentamente, contemplando as paredes de lambris:
—Acho que poderemos resolver esse detalhe da baixa popularidade com uma simples mudança nos discursos da nossa presidenta (no Núcleo Duro do Poder é estritamente proibido dizer presidente, falha punida com chibatadas).
Silêncio respeitoso. Ouvia-se apenas o ressonar de um dos ministros que cochilava num sofá.
O marqueteiro fez um giro rápido sobre o próprio eixo, bem teatral, e desferiu:

—De agora em diante, a presidenta só se dirigirá à nação utilizando o nósNós podemos, nósfaremos, nós somos, nós trabalhamos e – principalmente - nós erramos! ...
Um dos assessores da área econômica arriscou:
—Dá licença? Esses nós aí... Se refere a quantos por cento da população?
O marqueteiro ignorou-o. Outros presentes aplaudiram-no e bateram com as canetas nos copos de cristal, eufóricos:
—Genial! Genial! Aprovadíssimo!
Desde esse dia, a presidente usa e abusa do simpático pronome pessoal toda vez que a nação deixa as panelas de lado para ouvir suas sábias exortações patrióticas. E a ideia do marqueteiro já está dando frutos. De tanto ouvir o nós, pouco a pouco vamos nos dando conta de que a culpa de tudo – roubalheira, safadeza, corrupção, desvio de verbas, incompetência, crise energética, inflação, dólar em alta – é nossa. O esperto pronome nós inclui... a gente! Sacaram o negócio? Eles, lá em Brasília, não têm nada a ver com isso, ora bolas. Todas as mazelas nacionais ocorreram por minha, sua, nossa culpa. Como castigo, seremos obrigados a apertar os cintos cada vez mais, sufocando as vísceras, o apetite e nossos desejos burgueses, elitistas e golpistas.
De quebra, tem outra vantagem - alertou o marqueteiro. Apertando os cintos, sofrendo mais penalidades, restringindo nossos modestos sonhos de voar, com certeza esqueceremos por alguns minutos que o piloto – ou seria a pilota? – sumiu.
Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.
Fonte: Dom total.

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