Taveira's Advogados

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sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Não são só os europeus, somos nós também

Foto da criança síria encontrada morta numa praia turca chocou o mundo.  E não era para menos. Desde as Guerras Mundiais na primeira metade do século XX, o mundo não via um fluxo migratório tão grande. Calcula-se que mais de 350 mil pessoas tenham chegado à Europa só em 2015.  E também não é por acaso.
A crise de refugiados que aterroriza os governantes europeus hoje é fruto da desastrada escolha destes mesmos governantes em colaborar com a política intervencionista dos EUA em países da África e do Oriente Médio. Sob o engodo de libertar os países de ditadores, instalar a democracia e trazer prosperidade, a Europa financiou a invasão e a destruição de países como como Afeganistão, Iraque, Somália, Síria e Líbia. Não fosse o bastante, ainda equipou grupos terroristas que foram o embrião do Estado Islâmico – o grupo terrorista mais radical e perigoso que se tem notícia. Em síntese, a Europa colhe agora o que plantou com a desastrada política externa que adotou nos últimos anos. É a máxima contradição do capitalismo globalizado, em que as fronteiras desaparecem quando se trata da circulação de capital e riqueza, mas em que muros são erguidos quando se trata da liberdade de pessoas buscarem novos países para fugir da pobreza.
Quando a maioria de nós viu a foto nos jornais, não foi isso que passou pela nossa cabeça. Mais do que uma análise sociopolítica, o que nos falou mais alto foi o coração. Ainda mais para nós, brasileiros, que enxergamos na Europa o suprassumo civilizatório, o sonho de nossas viagens de verão, o berço da educação e da prosperidade, o lugar em que políticas públicas de vanguarda são implantadas. “Como assim os europeus estão deixando pessoas morrerem para não entrarem em seus países?”
A realidade é que não são só os europeus. Somos nós também. O Brasil tem recebido milhares de refugiados e imigrantes que fogem da guerra e da pobreza de seus países. Apenas em 2015, mais de 30 mil haitianos entraram em nosso país fugindo da situação de pobreza extrema que assola a população daquele país. A realidade destes haitianos é bem parecida com a dos refugiados sírio: largam tudo em seu país de origem, endividam-se com os “coiotes”, arriscam a vida em travessias inglórias e perigosas e chegam em países desconhecidos em busca de qualquer coisa que lhe dê uma melhor condição de vida.
Infelizmente, o acirramento do cenário político brasileiro fez aflorar teorias xenófobas e racistas de que os haitianos estariam aqui como parte de um plano de implantação de uma ditadura comunista e que roubam empregos dos brasileiros. Por mais ridícula que sejam, essas teorias se propagaram pela rede. É possível encontrar vídeos de brucutus fardados de militares insultando haitianos que estavam trabalhando em um posto. Há também imagens de pichações racistas escritas em redutos de refugiados em São Paulo. Por fim, a ignorância e o preconceito levaram ao incidente do dia 1º de agosto, em que 6 haitianos foram baleados em frente a uma igreja na região central de São Paulo.
A repercussão na mídia e nas redes sociais sobre o atentado contra os haitianos foi muito mais tímida do que a da foto da criança síria na praia. Talvez porque a criança síria esteja na Europa. Talvez porque os haitianos estejam aqui. Talvez porque estamos interessados em apenas demonstrar compaixão. Talvez porque não estejamos interessados em acolher o diferente. Talvez porque sempre alimentamos o sonho de que a Europa é o paraíso. Talvez porque preferimos fechar os olhos ao inferno que é a realidade dos haitianos aqui.
Não é difícil ouvir o argumento de que “aqui não é a Europa!” quando se discute a implantação de alguma política pública controversa, como as ciclovias e a redução da velocidade. Então que não sejamos a Europa. Se não podemos ser pelo bons exemplos, que não sejamos pelos maus. Que não nos esqueçamos de que sempre fomos um país de imigrantes, para europeus, africanos, latinos ou asiáticos. Que não fechemos olhos aos haitianos, peruanos, bolivianos e quaisquer outras pessoas que venham tentar a vida em nosso país. Que nos lembremos dos versos de Caetano: “pense no Haiti, reze pelo Haiti. O Haiti é aqui. O Haiti não é aqui.”
Zé Paulo Caires é Bacharel em Direito pela UNESP – Franca/SP e Pós-graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela USP – Ribeirão Preto/SP.
Fonte: justificando 

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