Taveira's Advogados

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sexta-feira, 27 de abril de 2012

Falência 2


JUÍZO COMPETENTE (JUÍZO UNIVERSAL)
O juízo competente da falência é aquele da jurisdição em que o devedor tem o seu principal estabelecimento, ou da filial de empresa que tenha fora do Brasil, conforme art. 3º da Lei 11.101/05.
Art. 3º É competente para homologar o plano de recuperação judicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.

Portanto, o juízo competente será:
a)     em razão da matéria: cível;
b)     em razão do lugar: principal estabelecimento

Assim, a competência para homologar plano de recuperação judicial, deferir o processamento da recuperação e decretar a falência é o local do principal estabelecimento do devedor, ou do estabelecimento subordinado, em se tratando de empresário com sede no exterior.

Se na comarca houver mais de um juízo, a distribuição do pleito a um deles, previne a jurisdição para qualquer outro pedido relativo ao mesmo devedor (art. 6º, § 8º).

Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.

CARACTERIZAÇÃO DA FALÊNCIA
O artigo 94 da Lei 11.101/05 dispõe que a falência do devedor será decretada:

a) quando não houver pagamento, sem relevante razão de direito, de obrigação líquida, vencida, fundada em título(s) executivo(s) protestado(s), cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos na data do pedido de falência;

b) quando o devedor for executado por qualquer quantia líquida, e não paga, nem deposita e não nomeia bens à penhora suficientes dentro do prazo legal;

c) quando pratica atos previstos na lei caracterizadores do estado falimentar. 

Caracteriza-se a falência: (ART. 94)

PELA IMPONTUALIDADE
I)             O devedor que sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos da data do pedido de falência.

Há a impontualidade, prevista no inciso I do artigo 94, quando o devedor, sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida, com a inovação de que os valores dos títulos perseguidos (se mais de um houver), somados, devem ultrapassar a 40 (quarenta) salários mínimos.

A lei é taxativa, vinculando o limite aos títulos, de modo que qualquer outro acréscimo (p. ex.: inclusão de honorários advocatícios, multa e juros) estará excluído da composição desse valor.

Na forma do parágrafo 1º, os credores podem reunir-se a fim de perfazer o limite mínimo.

A obrigação líquida é certa quanto a existência e determinada com relação ao objeto. Pode ser materializada em título judicial ou extrajudicial (arts. 584 e 585 do CPC).

Ainda com relação a impontualidade, não é demais relembrar que qualquer credor pode ajuizar a demanda falimentar, sendo-lhe permitido que se socorra de protesto realizado por outro credor (art. 94, § 3º).

Por outro lado, a data do pedido, por óbvio, refere-se ao momento do ajuizamento da demanda (art. 263, CPC).

APELAÇÃO. FALÊNCIA ARRIMADA NA IMPONTUALIDADE DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA E RECOMPRA DE TÍTULOS, NOS TERMOS DO ART. 94, I, DA LRF. Falência requerida por empresa de fomento mercantil com base na responsabilidade da faturizada pela solvência dos créditos cedidos. Extinção do processo, sem resolução de mérito, sob o fundamento da ausência de responsabilidade da devedora, uma vez que a pretensão de quebra fundou-se em confissão de dívida dada em garantia de contrato de fomento mercantil, no qual não existe direito de regresso em favor da faturizadora, inexistindo responsabilidade da cedente pela solvência do devedor. Há dois tipos de operação de fomento mercantil: I) "pro soluto" lem que o faturizado (cedente) não assume a responsabilidade pela solvência do devedor do crédito cedido, respondendo somente pelos vícios ou evicção (art. 295, CC), chamada de "responsabilidade 'in veritas' ". II) "pro solvendo" em que o faturizado (cedente) assume expressamente no contrato a responsabilidade pela solvência do devedor do crédito cedido (art. 296, CC), chamada "responsabilidade 'in bonitas' ". Diante da assunção contratual, de forma expressa, de responsabilidade da faturizada pela solvência dos créditos, pode a faturizadora, em virtude do não pagamento de títulos pelo devedor, valer-se do direito de regresso contra a cedente. O instrumento particular de confissão de dívida com base na cláusula de recompra das duplicatas cedidas é título executivo dotado de liquidez, certeza, que, regularmente protestado, com atendimento da Súmula 361/STJ, autoriza o decreto da falência. Apelação provida para decretar a quebra da apelada. (Apelação nº 0034407-69.2009.8.26.0114, Câmara Reservada à Falência e Recuperação do TJSP, Rel. Pereira Calças. j. 12.04.2011, DJe 06.07.2011).
  

PELA EXECUÇÃO FRUSTRADA

II)            Executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal.

A tríplice omissão do devedor, estabelecida no inciso II do artigo 94, para sua caracterização, impõe a comprovação por meio de certidão de objeto de pé, oriunda do juízo onde tramita a execução singular (art. 94, § 4º).

Ressalte-se que não há limite de valor para o requerimento da falência fundado no inciso II.

Nesse passo é conveniente salientar que não poderá haver convolação em falência da execução singular sem requerimento de falência, posto que os requisitos de uma e de outra são completamente diferentes. Além disso, se houver juízos com competência especializada para causas falimentares, tanto mais impossível será a convolação. Há que se desistir da execução individual para se postular a falência, pois o direito não permite a utilização de duas vias para perseguir o mesmo crédito.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO QUE DECRETA A FALÊNCIA - PEDIDO FORMULADO COM FULCRO NO ART. 94, II, DA LEI Nº 11.101/2005 - CERTIDÃO DO JUÍZO DA EXECUÇÃO - ILEGITIMIDADE DOS TÍTULOS - PEDIDO DE RECUPERAÇÃO - INADEQUAÇÃO - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO CONFIGURADO - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. A decretação da falência com fulcro no art. 94, inciso II, da Lei nº 11.101/2005 necessita da existência de execução frustrada, indicando, mediante certidão expedida pelo juízo, que a mesma tramita sem o respectivo pagamento, ausente o depósito da quantia ou, ainda, a inexistência de nomeação à penhora de bens suficientes a garanti-la, tudo no prazo ofertado por lei. A discussão acerca da ilegitimidade dos título a embasar o pedido ou o recebimento de pedido de recuperação empresarial devem ser formulados através da via judicial adequada, razão pela qual não há que se falar em cerceamento de defesa. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (Agravo de Instrumento nº 30109001419, 3ª Câmara Cível do TJES, Rel. Ney Batista Coutinho. j. 28.06.2011, unânime, DJ 07.07.2011).

PELA PRÁTICA DE ATOS DE FALÊNCIA
III)           Pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
a)    procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b)    realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c)     transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver o seu passivo;
d)    simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e)     dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f)      ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona o estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g)     deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

O inciso III prevê os chamados atos falimentares.

Seguindo a trilha da Lei anterior, a atual lei dispensou o credor, nessas hipóteses, do protesto do título, que sequer necessita estar vencido. Basta que comprove a condição de credor e dos fatos narrados.

O legislador incluiu como causa para a decretação da falência, deixar o devedor de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação.

Nesse particular, curial assinalar que a recuperação é um dos mecanismos à disposição do devedor para evitar a falência, quando viável o negócio. É, seguramente, uma grande inovação e há de se ter muito cuidado para não colocá-la em risco.

O último requisito para a caracterização da falência é a sentença que a decreta (art. 99), transformando o estado de fato em estado de direito.

Com relação ao rito para o requerimento da falência é estabelecido pelos arts. 95 e seguintes, quer para a falência pedida com base na impontualidade, quer em relação aos atos de falência.

TJSC-194393) APELAÇÃO CÍVEL - FALÊNCIA - DUPLICATA SEM ACEITE - PROTESTO ESPECIAL - IRREGULARIDADE - FALTA DE PREENCHIMENTO DE TODOS OS PRESSUPOSTOS LEGAIS, ESPECIALMENTE QUANTO À INDICAÇÃO DA FINALIDADE PELA QUAL ESTAVA SENDO LAVRADO O PROTESTO - EXEGESE DO ART. 94, § 3º, DA LEI Nº 11.101/06 E DO ART. 23 DA LEI Nº 9.492/97 - CONFIGURAÇÃO DA IMPONTUALIDADE DA OBRIGAÇÃO - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO - SENTENÇA EXTINTIVA MANTIDA. Derruída a constatação da impontualidade da obrigação, que deveria restar configurada por intermédio do protesto específico para fins falimentares (art. 94, § 3º, da Lei nº 11.101/05), o qual deve revestir-se de todas as formalidades legais (arts. 22 e 23 da Lei nº 9.492/97), carece o feito de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido, havendo de ser extinto, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, IV, do Código de Processo Civil. (Apelação Cível nº 2010.036203-5, 2ª Câmara de Direito Comercial do TJSC, Rel. Robson Luz Varella. Publ. 15.07.2011).

OBSERVAÇÃO:
Os credores poderão reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência (40 salários), se a falência for com base no inciso I, do artigo 94. (art. 94, § 1º).

Mesmo que líquidos, não dão legitimidade aos credores para ao pedido de falências, os créditos que nela não se pode reclamar (art. 94, § 2º).

Quando o pedido de falência fundar-se no inciso I do artigo 94, deverá ser instruído com o(s) título(s), devidamente protestados (art. 94, § 3º).

Na hipótese do pedido de falência fundar-se no inciso II do artigo 94, deverá ser instruído com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução (certidão de objeto e pé). (art. 94, § 4º).

Na hipótese do pedido de falência fundar-se no inciso III do artigo 94, deverá descrever os fatos que a caracterizam, juntando as provas que houver e especificando as que serão produzidas (art. 94, § 5º).  

sábado, 21 de abril de 2012


10% para o pai, 10% para o filho e 10% para o Espirito Santo ! Mãos ao alto, isto é um assalto!
o telepastor fez um pedido pra lá de ousado. Silas Malafaia quer cobrar o trízimo dos desempregados! Não só isso, mas também anda pedindo o dinheiro do aluguel, sob promessa de casa própria para o corajoso que cair na lábia ofertar a vultuosa soma. Confira:






Tem que rir! Safado.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Falência 1.

NOVA LEI DE FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS


LEI N.º 11.101 DE 09 DE FEVEREIRO DE 2005.

REGULA A RECUPERAÇÃO JUDICIAL A EXTRAJUDICIAL E A FALÊNCIA DO EMPRESÁRIO E DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA.

INTRODUÇÃO

Com a promulgação em 9 de fevereiro de 2005, da Lei n.º 11.101/05, chamada Lei de Recuperação e Falências (LRF), o ordenamento pátrio passa a contar com novas regras relativas à falência e com duas formas de o devedor em crise econômico-financeira evitá-la: a recuperação judicial e recuperação extrajudicial.

A Lei 11.101/05 tem por objetivo regras referente à recuperação judicial, à extrajudicial e à falência, aos crimes específicos, bem como ao processo daquelas e ao procedimento destes.

Em resumo, tem por objeto o novo e complexo processo concursal.

Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

O art. 1º da nova lei usa o verbo disciplinar (do latim disciplinor), que significa adestrar, amestrar, instruir, motivo pelo qual era mais usado no sentido de instruir nos preceitos de alguma arte, principalmente militar. Com referência às leis, preferia-se dizer que elas estabelecem, instituem, preceituam, regulam certos fatos ou atos, deixando o verbo disciplinar para as hipóteses de instruir soldados, equipes, trânsito, ou sujeitar alguém à disciplina interna de qualquer organização ou escola.

No presente caso, há que se interpretar o art. 1º, no sentido em que a lei regula e estabelece regras a respeito da recuperação judicial, extrajudicial e falência, que se estendem, além dos respectivos processos, às disposições penais e às disposições transitórias.

A lei 11.101/2005 deve ter por escopo atender anseios e tendências manifestas na segunda metade do século XX e princípio deste século XXI, no sentido de salvaguardar a empresa, que tem uma função social e, por isso, deve subsistir às crises, em benefício dos que nela trabalham, da comunidade em que atua, dos mercados de fatores de produção e de consumo do local, da Região, do Estado e do País.

As regras, objeto desta lei, têm por escopo:

a)        propiciar à empresa, ante crises econômico-financeiras, meios adequados a soerguer-se e prosseguir como unidade dinâmica e produtiva;

b)       beneficiar seus trabalhadores, quem lhe fornece capital, seus credores, seus consumidores, seus fornecedores, e a coletividade local;

c)        reservar a falência para a empresa inviável;

d)       punir o dirigente fraudulento.

CONCEITO
Falência é um processo de execução coletiva, no qual são arrecadados todos os bens do falido, para uma venda judicial forçada, processando-se a distribuição proporcional do ativo entre os credores nele habilitados.




SUJEITO PASSIVO
Como decorre do exame do art. 1º, tanto a recuperação judicial, quanto a extrajudicial e a falência referem-se ao empresário; ou à sociedade empresária.

São sujeitos passivos do instituto da falência todo empresário e sociedade empresária, que em virtude do não pagamento no vencimento de dívida líquida, certa e exigível (protestada), ou que pratica atos que a lei considera atos de falência (art. 94).

A falência é execução concursal do devedor empresário e da sociedade empresária.
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Consoante o disposto no artigo 966 do Código Civil, considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e de serviços.
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Nesse conceito ressaltam-se três elementos:

a)     atividade econômica para a produção ou circulação de bens e serviços;
b)     de forma organizada;
c)      de modo profissional.

Quanto ao primeiro elemento, impõe-se a salientar: a) que se trata de atividade criadora de riqueza, de bens ou serviços para o mercado consumidor, de que se exclui a atividade destinada, exclusivamente, ao consumo direito da pessoa ou da família de quem atua, ainda que com a colaboração de terceiros; b) que através dessa atividade empregue-se trabalho e capital, assim como satisfaça a demanda de bens e serviços, por parte do mercado.

Quanto ao segundo elemento, relativo à forma organizada, significa que o empresário procede à “organização do trabalho alheio e do capital próprio ou alheio, que implica, da parte do empresário, na prestação de um trabalho de caráter organizador e assunção de risco técnico e econômico correlato”.

O terceiro caráter de profissionalidade implica em que a atividade econômica organizada deve ser exercida de modo contínuo, constante, perseverante com o fito de produção para a troca de bens ou serviços, com o objetivo de lucro.

QUEM NÃO ESTÁ ABRANGIDO POR ESTA LEI
Algumas sociedades, embora empresárias, estão excluídas da LRF, estão previstas no art. 2º da LRF, verbis:
Art. 2º Esta Lei não se aplica a:
a)      empresa pública e sociedade de economia mista;
b)      instituição financeira pública ou privada;
c)      cooperativa de crédito;
d)      consórcio;
e)      entidade de previdência complementar;
f)       sociedade operadora de plano de assistência à saúde;
g)      sociedade seguradora;
h)     sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

De acordo com o referido artigo (art. 2º), essas sociedades não estarão sujeitas à nova lei. Contudo, o referido artigo deve ser interpretado com os demais dispositivos legais.

Portanto, existem sociedades empresárias que são excluídas total ou parcialmente da falência ou excluídas totalmente da recuperação.

Destinando-se a empresa pública à organização e exercício de atividade econômica a que o Estado seja levado a desempenhar em face de imperativo da segurança ou de relevante interesse público, não está sujeita à falência. Sobre a empresa pública são pertinentes o Dec.-Lei n.º 200/67, arts. 4º, II, b; 5º, II, e o Dec.-Lei n.º 900/69, art. 5º, assim como a Constituição Federal, arts. 22, XXVII, 37, XVII, XIX, e 173.

A sociedade de economia mista, criada por lei, com capital público e privado para atividade econômica necessária ao interesse coletivo ou a segurança nacional, também não se sujeita à lei de recuperação e falência, por força do disposto em seu art. 2º. Anteriormente, o artigo 242 da Lei 6.404/76 dispunha não estar a sociedade de economia mista sujeita à falência, mas seus bens seriam penhoráveis, e a controladora responderia subsidiariamente por suas obrigações. A Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001, porém, revogou, expressamente, o art. 242 da Lei 6.404/76. Agora, prevalece o disposto no artigo 2º da Lei 11.101/05, excluindo a sociedade de economia mista da sua incidência.

As instituições financeiras públicas e privadas, que são objeto da Lei n.º 4.595/64, arts. 17 a 41; Lei n.º 6.024/74; Lei n.º 9.447/97; Dec.-Lei n.º 2.321/87; Lei n.º 9.710/98; Lei n.º 10.194/2001 e Lei complementar n.º 105/2001, não estão sujeitas à lei, haja vista que não lhes é aplicável.

As cooperativas de crédito, igualmente estão fora da incidência desta lei, sendo-lhes aplicáveis a Lei n.º 6.024/74, art. 1º; Lei n.º 9.447/97 e Resolução do Bacen (Banco Central) n.º 12.771/2000.

Não é a Lei n.º 11.101/05 aplicável ao consórcio, que é objeto da Lei 6.404/76, arts. 278 e 279; Circular n.º 2.766, de 1987 (DOU de 04.07.1997); Lei n.º 8.078/90, art. 52, § 2º; Lei n.º 8.666/93, arts. 4º e 33º; Lei n.º 8.987/95, art. 19.

A Lei 11.101/05, não é aplicável, também:
a) à entidade de previdência complementar, adstrita Às normas da Lei Complementar n.º 109, de 29.05.2001 e Lei n.º 6.435/77;
b) à sociedade operadora de plano de assistência à saúde, objeto da Lei n.º 9.867/99, CF, art. 199, Lei n.º 9.656/98, art. 23;

ADMINISTRATIVO - AÇÃO DE COBRANÇA - FATURAS DE FORNECIMENTO DE MERCADORIAS - DOCUMENTOS HÁBEIS PARA ENSEJAR O AJUIZAMENTO DE AÇÃO COGNITIVA DE COBRANÇA - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS CRÉDITOS ALEGADOS PELA AUTORA - SUSPENSÃO DO FEITO COMO MEDIDA ADSTRITA ÀS PESSOAS JURÍDICAS CONSTITUÍDAS SOB A FORMA DE SOCIEDADE ANÔNIMA - NATUREZA JURÍDICA DIVERSA DA CAARJ - NÃO INCIDÊNCIA DAS NORMAS DA LEI Nº 11.101/2005 SOBRE AS OPERADORAS DOS PLANOS DE SAÚDE. 1 - O egrégio Superior Tribunal de Justiça reconhece as faturas de fornecimento de mercadorias, em certos casos, inclusive quando são unilaterais, como títulos hábeis para o ajuizamento de ação pelo procedimento monitório, previstos nos arts. 1.102-A, 1.102-B e 1.102-C do CPC. 2 - As faturas são hábeis para viabilizar uma ação de conhecimento objetivando a condenação do devedor no pagamento dos valores que deve, sobretudo no caso dos presentes autos, em que os documentos que consubstanciam a dívida foram produzidos de forma bilateral, contendo a descrição das mercadorias fornecidas, além do que, em nenhum momento, os créditos da Apelada foram impugnados. 3 - Apenas as pessoas jurídicas constituídas sob a forma de sociedades anônimas podem se valer da suspensão das ações cognitivas e executivas contra si existentes por ocasião da liquidação, conforme disposto no art. 18, "a", da Lei nº 6.024/74 - Lei das S/A. 4 - Consoante os arts. 2º, II; e 198 da Lei nº 11.101/05 c/c art. 23, caput, da Lei nº 9.656/98, as Operadoras de Planos de Saúde, qualificação a que pertence a Apelante, não podem requerer recuperação judicial nem extrajudicial. Por consequência, a recuperação a que alude a Apelante, e de que trata a RDC nº 22/2000, é, na verdade, um acordo privado, não se sujeitando às normas da Lei nº 11.101/05, dentre as quais a suspensão de direitos, ações ou execuções e a impossibilidade do pedido de decretação de falência da sociedade empresária pelo credor. 5 - Apelação desprovida. Sentença confirmada. (Apelação Cível nº 2008.51.01.009969-1/RJ, 6ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região, Rel. Frederico Gueiros. j. 20.06.2011, unânime, e-DJF2R 27.06.2011).

c) À sociedade seguradora, que é objeto do Dec.-Lei n.º 73, art. 26; Lei n.º 10.190, de 14.02.2001;
d) à sociedade de capitalização (p. ex.: Dec.-Lei n.º 261, de 28.02.1967);
e) às entidades legalmente equiparadas às anteriores.  

domingo, 15 de abril de 2012

Da relatividade do nojo

O cauim é uma bebida alcoólica preparada pelos índios. Para que os açúcares da mandioca ou do milho sejam liberados para a fermentação, são empregadas as enzimas da saliva humana. O preparo é feito pelas mulheres da aldeia, que mastigam e ensalivam a mandioca (sem trocadilho) cozida, cuspindo-a depois em um pote. Depois disso, a pasta resultante é levada ao fogo e novamente cozida, sendo deixada para fermentar após sua retirada. O cozimento mata a maioria das bactérias, a fermentação libera álcool para matar as que resistiram. Depois disso, a bebida é servida aos homens da tribo, que devem bebê-la aos goles enquanto dançam, e às mulheres, que bebericam, saboreando-a.

A micareta é uma festividade em que pessoas ingerem álcool, os homens geralmente em grandes goles, as mulheres bebericando (nem sempre), enquanto dançam. Cada pessoa beija várias outras na boca, ensalivando-as sem cuspir, levar ao fogo ou fermentar. O álcool ingerido entre os beijos mata parte das bactérias, mas muitas restam vivas e passam para os próximos alvos. Supondo que cada pessoa beije em média umas cinco  - uma estimativa bem moderada, já que tem gente que beija umas vinte -, que por sua vez beijaram outras quatro, ao final da micareta é como se todo mundo tivesse beijado todos os participantes.

Você, micareteiro(a), beberia cauim para se animar na festa?

Crime é uma fórmula não uma substância

Nas primeiras aulas de Direito penal, o professor pergunta ao aluno sobre o significado de “crime” e recebe uma resposta que pouco tem a ver com a maneira com que “crime” é definido pelos especialistas da área. Algum tempo depois, a mesma questão será respondida pelo mesmo aluno de forma tecnicamente apropriada, mas distante do uso diário desse conceito.  Jornalistas, políticos, policiais, mas mesmo sociólogos, criminólogos, filósofos e outros profissionais que refletem sobre o tema parecem prescindir e mesmo desdenhar da maneira normativa, artificiosa e rebuscada da definição técnica de crime, enquanto os penalistas parecem aceitar tais críticas com a condescendência cínica de quem está sendo incompreendido e não se importa com isso.
O conceito cotidiano de crime, enquanto uma atitude pessoal flagrantemente imoral, injustificável, capaz de resultar em prejuízo, sofrimento ou morte às suas vítimas, relaciona-se com a idéia acertada de que seu significado deve estar associado a comportamentos humanos danosos, evitáveis e que contrariem as noções habituais do agir corretamente. No Direito penal, as definições de crime pensadas a partir de seus requisitos substanciais (gravidade e relevância social do dano, por exemplo) são chamadas de concepções materiais de crime.  Nessas, há uma busca dos requisitos essenciais que deveriam apresentar quaisquer condutas humanas que a lei defina como crime. Tais requisitos, conforme o autor, época e ideologia, têm variado desde a exigência de que a conduta criminosa seja fonte de flagrante repulsa social, passando pela exigência de que apresente risco potencial à sobrevivência do grupo, chegando até a concepção contemporânea, em que se defende ser a criminalização de determinadas condutas uma forma de garantir que bens, crenças e pessoas possam realizar suas funções sociais dentro do referencial de garantia constitucional.      
Mas, sobretudo nas sociedades complexas, em que há uma pluralidade de noções do que é certo ou errado, bem ou mal, não é fácil, ou seguro, ancorar a definição de crime, e suas poderosas consequências (prisão, segregação, estigma), às voláteis definições de comportamentos socialmente aceitáveis ou intoleráveis. E mesmo as violações a bens jurídicos constitucionalmente protegidos 2, como ataques à vida, à dignidade e à liberdade humana, não são capazes de informar por simples derivação lógica, com a clareza requerida, o contorno exato da conduta criminalmente punível. Não sendo raro os casos de dúvida acerca do que protege a Constituição (v.g. topless é um direito?) e em que medida deva ser protegido (v.g. quais limites da liberdade de expressão?).
    Por essa razão, o conceito de crime conforme utilizado pelos juristas é um conceito formal que, com uma ou outra variação, repousa na fórmula positivista: “é crime o que uma lei válida diz ser crime3.” Em outras palavras, não é tanto pela substância de uma conduta que se interrogará acerca de seu caráter criminoso, mas sim pelo fato de tal conduta cumprir determinados requisitos de forma: coincidir com exatidão (quanto a comportamentos, pensamentos, circunstâncias e resultados) com o texto descrito como proibido pela lei penal. Assim, comete um crime o maior de 18 anos que, com consciência e liberdade, entra em um restaurante e serve-se da comida, sem que tenha meios para pagá-la. Mas não comete crime nenhum aquele que, também maior, com liberdade e consciência, sentou-se no mesmo restaurante, comeu a mesma comida, possuía dinheiro, mas se negou a pagar (esse poderá vir a ser demandado por dívida, mas não por crime!)4.    
Não obstante, pensar sobre o crime como uma categoria formal tem trazido inúmeros problemas para os estudantes de Direito.  A começar pelo fato de que seus contornos terem sido desenhados com requisitos abstratos e de difícil verificação real (como o ânimo do agente no momento do crime) – fazendo com que a aplicação da lei ao caso pareça muitas vezes uma discussão esotérica, deslocada do conflito social que a suscitou (como um homicídio ou uma fraude).  Ademais, aceitar que crime é tão somente uma fórmula legal aplicável a qualquer conduta que a lei assim classificar, presume certo grau de conformismo com as lacunas axiológicas do sistema penal, ou seja, com a existência formal de normas penais que quando aplicadas trazem mais injustiça do que justiça, como a do exemplo do restaurante acima mencionado 5. Em síntese, o formalismo do conceito de crime, como apresentado nos livros-texto da disciplina, parece conferir exatidão e sofisticação conceitual à disciplina, mas esconde sua natureza aberta e controvertida.
  Crime é fato típico, ilícito e culpável, dirá a maior parte dos professores de Direito penal, significando algo como: uma ação ou omissão a que se estava, pela lei penal, proibido de praticar, sob ameaça de pena, realizada com dolo ou, excepcionalmente, com culpa, fora do abrigo de circunstâncias especiais que a tornariam lícita e, além disso, praticada de maneira indesculpável por um sujeito maior de 18 anos. Assim, é crime a conduta que a lei penal diz ser crime (do homicídio à qualquer coisa), quando realizada com as condições subjetivas requeridas pelo tipo (dolo ou culpa). Mas tal conduta deixa de ser crime se lhe falta ilicitude6 (como na legítima defesa) e, pelo menos, deixa de merecer pena, se o sujeito era, pelas razões excepcionais previstas em lei, incapaz de compreender o que fazia (como em um surto psicótico) ou de fazer o que a lei lhe exigia (como numa coação moral irresistível) 7.
Cada um desses elementos (tipicidade, ilicitude e culpabilidade), assim como muitos outros pressupostos neles (conduta, nexo causal, dolo, culpa etc.) são objeto de questionamentos e controvérsias nos tribunais, nas universidades, nos livros e nos pedidos de revisão de prova dos doutos acadêmicos de Direito. Compreender os componentes centrais da classificação legal de crime é indispensável, mas também carregado de dificuldades, entre outras coisas porque tal conceito é apenas parte de um contexto mais amplo do discurso jurídico-penal. Vejamos alguns pontos desse contexto discursivo.

II. O contexto discursivo do conceito de crime
Primeiramente, o ponto central da definição formal de crime é sua alegada qualidade pública. De forma esquemática, uma lesão que afete principalmente direitos e obrigações pertencentes apenas a indivíduos determinados é objeto da lei civil, como um prejuízo financeiro, uma quebra de contrato ou disputas sobre direitos de propriedade. O crime é diferenciável pelo fato de a lesão dele resultante ser dirigida à própria sociedade.  Assim, em tese, o roubo é uma ofensa antes às leis do Estado que o proíbem do que à vítima que foi desapossada violentamente de seus pertences8.  Para complicar a situação, a mesma lesão pode ser matéria de julgamento na esfera criminal e na esfera civil.  Por exemplo, o mesmo roubo é, ao mesmo tempo, um prejuízo individual e um crime; e uma quebra de contrato pode conter um crime, como um estelionato.  Afora essas sobreposições, é importante ter alguns parâmetros para diferenciar as transgressões à lei que podem render uma disputa civil, uma disputa criminal ou ambas.
A responsabilidade civil decorre, fundamentalmente, do dano (material ou imaterial) que alguém tenha causado a outrem, enquanto que a responsabilidade criminal decorre, de modo geral, da voluntariedade de uma conduta realizada, de sua culpabilidade e, apenas subsidiariamente, do dano causado9.  E se nos danos civis a ação judicial é promovida contra seu causador pela própria vítima, nas lesões penais cabe ao Estado processar o perpetrador da lesão. Essa é a regra geral em nosso Direito penal: acusar alguém de um crime é uma tarefa do Estado, realizada por meio de seus órgãos de acusação (membros do Ministério Público Estadual ou Federal), havendo, entretanto, exceções em que o processamento do acusado deve ser conduzido pela própria vítima, ou seu representante, valendo-se dos serviços de um advogado público ou privado10. Um sério problema da caracterização do crime como uma lesão pública é que isso é pouco informativo. Crime é aquilo que a lei define como crime. Mas essa definição não nos informa como e por que se chegou à conclusão de que esta ou aquela lesão é meramente privada e aquela outra é um crime, isso é, de interesse público. Não é simples explicar a alguém que comprar uma mercadoria com cheque “sem fundos” é crime, mas comprá-la no crediário e não pagá-la é apenas um ilícito civil, de quebra de um contrato.  Não há uma regra segura que determine as características requeridas a uma lesão para ela ter relevância pública ou simplesmente privada. Isso tem sido uma escolha mais ou menos arbitrária do legislador federal, a partir de suas concepções acerca dos comportamentos merecedores de regulação criminal. Dessa maneira, a vida do feto anencéfalo está dentro do âmbito de proteção criminal, mas não a do feto resultante de estupro, que é suplantada pela proteção à liberdade de decisão da gestante acerca do destino da gravidez resultante do crime.
Uma segunda faceta da definição formal de delito é que cada crime deve estar previsto em estatutos legais claramente especificados. Todo crime consiste de uma conduta humana (comissiva ou omissiva) prevista em lei penal e, a menos que seja um crime de responsabilidade objetiva11, acompanhada de um determinado estado mental: dolo ou culpa. A ação ou omissão, suas consequências e circunstâncias dão materialidade ao crime; e o estado mental do acusado, no momento do crime (isto é, seu dolo ou culpa), marca seu elemento subjetivo. E tanto a materialidade quanto o elemento subjetivo do crime precisam ser demonstrados pela acusação já que, como a inocência do réu é presumida, é o Estado-acusador que deve arcar com o ônus da prova.  Assim, um crime só é cometido se houver uma conduta dolosa ou culposa12; de afronta à lei penal e se tal conduta, junto ao seu dolo ou culpa, forem provados para além de qualquer dúvida razoável13.
  Por evidente que os juristas são atraídos por essa definição formal do crime, enquanto conduta estritamente prevista em lei e cometida sob determinado estado mental. Com efeito, isso transmite segurança, permitindo que as pessoas se dirijam ao seu trabalho e lazer, na crença de que se o sistema penal funcionar por seus princípios, não haverá punições arbitrárias14. Tal definição formal ainda possibilita que quem pratique um crime saiba qual a punição específica deverá receber, pois a lei transgredida, e sua respectiva previsão de pena, sempre tem que ter surgido antes da conduta transgressora (princípio da anterioridade da lei penal incriminadora15).
A série de exigências formais das leis penais torna, então, impróprio atribuir a alguém o estigma de criminoso até que haja prova definitiva de sua culpa no sistema judicial, mediante um processo com ampla possibilidade de defesa. Por tal razão, não há de se falar em criminosos na fase da investigação policial e mesmo durante o processo criminal, assim como não há, até o fim definitivo do processo, de falar-se em vítimas de crime: o status de criminoso, e de vítima, só pode aparecer, formalmente, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Até esse momento, só há “suposto criminoso” e “suposta vítima do autor” 16.
Como um conceito prático, entretanto, as exigências formais esboçadas acima são problemáticas. Razão pela qual o status de criminoso é atribuído pela sociedade ao acusado muito antes de um processo penal ter chegado a tal conclusão. Isso é compreensível, pois se só ao final do processo criminal há crimes e criminosos, não existem crimes não apurados ou por apurar, pois, formalmente, o crime é algo “criado” a partir do seu reconhecimento definitivo pelo Estado-juiz. Com isso se pode chegar à bizarra conclusão de que quem produz o crime é o próprio Estado, e que para baixar seus índices basta haver menos leis e processos penais condenatórios!
Outro aspecto relacionado, é que o ideário legal exige atributos como objetividade, ausência de distorções político-ideológicas e autonomia tanto no momento de criar a lei penal, quanto no momento de aplicá-la ao suposto criminoso. Mas uma visão crítica das doutrinas jurídicas permite que o estudante perceba que há ideologias distorcendo o sistema legal e processual-penal, levando-o para determinados e estranhos resultados. Assim, a imputação da condição de criminoso ao usuário de drogas, por exemplo, reflete não um valor consensual e objetivo da sociedade acerca de seus perigos, mas uma ideologia de parte da sociedade traduzida em lei17. Da mesma forma, o fato de a imensa maioria da população encarcerada ser oriunda das classes pobres indica que as leis, a investigação policial e o processo-penal não são insensíveis a questões de dinheiro e poder.
 Independentemente de suas distorções ideológicas, recorrer à lei penal e aos tribunais, com suas algemas e prisões, é uma forma brutal de equacionar conflitos sociais. Nem todos os crimes implicam violência, mas a aplicação da lei penal traz em si uma violência intrínseca, daí a importância de princípios como o da mínima intervenção do Direito penal18. O Direito penal, no plano interno, deve ser visto como a guerra no plano internacional: como a última ratio, a razão que resta quando tudo mais fracassou. Motivo pelo qual equacionar questões simples (como xingamentos e injúrias) ou polêmicas (como o aborto e a eutanásia) por meio do Direito penal costuma gerar mais conflitos do que proteção. O que não quer dizer que tais condutas não precisem de regulamentação jurídica, mas certamente não de regulamentação criminal.
Outro ponto revelador da complexidade do formalismo da definição de crime diz respeito ao fato de que sua apuração exige uma série de procedimentos sui generis em matéria da descoberta/construção da “verdade” processual-penal . As regras de evidência, o padrão de provas aceitáveis, as regras de competência do juízo e o devido processo legal são intrínsecos à própria constituição formal do crime. A verdade processual-penal não é a verdade obtida a qualquer preço, mas a verdade formal, limitada pelas provas aceitáveis, prazos, direitos de silêncio, prerrogativas de sigilo e outras que limitam o encontro da “verdade real dos fatos” em favor de uma verdade construída dentro de certas limitações legais, éticas e de preservação da dignidade humana.   
 A exigência de que a acusação prove sua tese para além de qualquer dúvida razoável, isto é: que derrube a presunção de inocência do acusado; assim como a adoção do sistema adversarial ou acusatório (aquele no qual acusação e defesa possuem o mesmo poder de apresentar e questionar provas, bem como de influenciar legitimamente nos rumos do processo, enquanto o juiz deve permanecer imparcial, para decidir a causa de acordo com sua livre convicção19), assim como direitos intrínsecos da defesa, como permanecer em silêncio, recusar-se a produzir provas contra si mesmo ou a possibilidade de revisar, sempre e apenas em seu benefício, um processo condenatório que já haja transitado em julgado, são elementos distintivos da justiça penal.
 Compreendido dessa maneira, o crime pode ser definido como o resultado de um processo criminal: sem processamento e condenação isenta de dúvida não pode haver responsabilização criminal. Entretanto, o crime entendido como resultado de um processo penal condenatório válido é de fato aplicável?
III     Os equívocos práticos dos conceitos penais
Para os estudantes de Direito, um dos problemas básicos das definições formais de crime é que elas não parecem se materializar na prática diária de policiais, advogados, promotores, juízes e imprensa. Por certo que as definições legais não devem nos impedir de enxergar variações, distorções morais e ideológicas em sua aplicação. Assim, como não se deve perder de vista a distância entre a lei que cria uma regra, que deve ser seguida, e o tratamento ordinário dos fatos criminais, que podem ou não estar adequados às regras determinadas pela lei. O papel esperado do operador do Direito, nesse sentido, é que reduza tal discrepância, no sentido da estrita observação das garantias e restrições legais à incriminação válida do acusado.
Sem tal consciência, os livros e aulas de Direito penal parecem tratar de algo esotérico, meramente intelectual e sem ressonância na vida prática da sociedade. As discussões sobrenexo de causalidadedolo e culpa, provas lícitas e ilícitas, ausência de dúvida razoável, muitas vezes, na prática, têm sido apenas precariamente observadas. Da mesma forma, é preciso evidenciar que os estilos de pensamento criminal são construídos (desde a faculdade), principalmente, em crimes tradicionalmente tidos como sérios (como homicídio, roubo e estupro), dedicando pouca atenção à maioria dos crimes previstos em lei, que não envolvem ameaça ou violência direta a pessoas. O resultado dessa superatenção aos crimes de violência é a manutenção do ideário de que o crime é algo que só pode ser combatido com prisão e medidas extremas, impondo uma violência (como a prisão e os tratamentos sub-humanos nos “depósitos de presos”), inclusive a pessoas que jamais praticaram violência ou grave ameaça contra outro ser humano: como no caso dos crimes de perigo abstrato (como portar uma arma de fogo não registrada para defesa própria), nos delitos insignificantes (como o furto de um xampu no supermercado) ou, ainda, nos crimes culposos.
Ainda há de se considerar o impacto da definição formal de crime nas estatísticas criminais. Se nossas forças policiais e autoridades de segurança concentrarem sua atenção no conceito formal de crime, aparecerá o curioso resultado de que o número de crimes praticados em uma sociedade é igual ao número de pessoas condenadas por tais crimes. Ora, como só existe crime e criminoso após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não existem crimes não descobertos, crimes não elucidados ou não julgados. Isso daria às nossas autoridades de segurança um índice de 100% de eficácia! O que certamente contraria a sensação de insegurança cotidiana.
Isso faz com que o uso do conceito de crime pelo Estado, pela imprensa e mesmo pelos estudiosos do fenômeno criminal (os criminólogos) seja diferente daquele usado exclusivamente na justiça processual-penal.  Assim, as estatísticas oficiais de crime são, em rigor, estatísticas de suspeita de crimes. E os criminólogos costumam analisar a definição formal de crime, mas não se submetem a ela. Ao contrário, criticam, por vezes, a dissonância entre tal definição e as expectativas sociais, o caráter político e discriminatório de várias definições de crimes específicos, assim como também as variáveis sociais que fazem com que uma ação ou omissão que, em princípio, constitui uma quebra da lei penal seja de fato considerada crime e seu autor, efetivamente, responsabilizado pelo sistema judicial. 
Entre as variáveis que intervém no fato de uma pessoa ser ou não formalmente criminosa, destacam-se contingências como classe social, cor da pele, gênero, ocupação, visibilidade da transgressão, maior ou menor poder da vítima atingida e mesmo a sorte. Por certo que tais variáveis não integram a definição formal dos crimes, mas orientam, como um código penal e processual-penal subterrâneo, o destino prático do acusado.
Assim, a definição formal de crime, com suas garantias e pressupostos, é um conceito útil e mesmo indispensável à configuração legal de um crime, mas não se aplica a todas as situações em que as expressões “crime” e “criminoso” são utilizadas na sociedade. Por isso, deve o estudante de Direito acostumar-se com tal ambiguidade para aplicar o sentido devido a cada situação. O crime do Direito penal é uma conduta que afronta uma lei penal de forma voluntária, sem justificativas válidas pelo sistema jurídico (isto é, antijurídica), cometida por uma pessoa com a idade mínima requerida e que, no momento da ação ou omissão, era capaz de compreender o que fazia e, ainda, que podia ter agido de acordo com a lei. Enquanto que o crime, no modo como é comumente utilizado pela sociedade, é a prática de uma conduta avaliada como intolerável violação de direitos alheios, praticada por um ser perigoso, e que merece uma punição, quase sempre a privação de sua liberdade.
O Direito penal não está estruturado para lidar com seres perigosos, mas com seres culpados. Razão pela qual a lei penal é reativa: primeiro o crime, depois a pena (e não a pena para evitar o crime). E embora haja algumas medidas chamadas preventivas (prisões e cautelas durante o curso do processo) é a confirmação do réu enquanto culpado definitivo que permitirá que ele receba qualquer restrição que não seja apenas uma aposta provisória contra sua presunção de inocência20.
Não interessa o quão mau alguém seja, ou o quão perigoso pareça, até que cometa um crime e seja por ele condenado, a inocência integra sua personalidade. Pode parecer que isso deriva de um sistema absurdo de garantias individuais em detrimento da sociedade, mas, a história é testemunha,de que o inverso é que tem sido a regra: punir por suspeita, extorquir provas e confissões do acusado e trocar a justiça pública pela vingança exercida pelos agentes públicos.  Um sistema menos formalista é o que a maioria das pessoas costuma reinvidicar para combater o crime alheio, mas  é em tais formalidades que se refugiarão tão-logo caiam nas suspeitas oficiais. E mais vale dar garantias formais a todos, ainda que isso torne o sistema lento, do que trocá-las, como não é raro ocorrer, por um sistema de privilégios a apenas alguns poucos poderosos que, da trincheira de sua imunidade, chamam de abusivas as garantias formais alheias.

Em conclusão, os conceitos formais do Direito penal são úteis se tomados como uma garantia do cidadão de que o Estado terá que seguir vários passos e provar vários elementos se quiser condenar alguém. Mas são inúteis se forem tomados como indicadores seguros do nível de violência social ou para indicarem as causas do crime. Assim, os condenados não são necessariamente os que transgrediram a lei penal e, se transgrediram, não são os únicos que, pelos mesmos critérios, deveriam estar condenados. Como todo conceito formal, o rótulo de criminoso pode ser utilizado para perseguir alguns e privilegiar outros. 
O Direito pode ser dogmático, pondo um valor transcendental às suas leis e métodos de incriminação, mas seus praticantes não devem seguir o mesmo caminho. Os arsenais de poder simbólico e material concentrados na disputa pelos diversos empregos da expressão crime e criminoso (pelos tribunais, polícia, imprensa, universidades etc.) e suas respectivas consequências, que em comum têm apenas o fato de reafirmarem a força do Estado para excluir socialmente determinadas pessoas, nada têm de inocente. Mas pensado em sua dimensão crítica, o Direito penal, com suas exigências formais e principiológicas, pode ser convertido em uma forma de restringir a sanha punitiva do Estado; uma pedra no caminho do linchamento e uma a menos na mão dos linchadores.

Bibliografia:
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ZAFFARONI, E. R. Hacia um realismo jurídico penal marginal? Caracas: Monte Avila, 2003.
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