Taveira's Advogados

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sábado, 31 de março de 2012

Grávida cochila e pede indenização por ser acordada pelo chefe

"A pretensão de uma empregada em obter indenização por danos morais, alegando ocorrência de agressão física por parte de encarregado ao pegá-la pelo braço quando a percebeu cochilando em serviço, não encontrou respaldo na Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho. O recurso da trabalhadora foi rejeitado e mantido o entendimento do acórdão regional, que concluiu não ter havido agressão, tomando por base o próprio depoimento da autora, grávida na época do incidente.
Em julho de 2006, as empresas Incapack - Indústria de Embalagens Plásticas Ltda. e Gaplast Indústria de Embalagens Plásticas foram condenadas pela 12ª Vara do Trabalho de Curitiba (PR) a pagar uma indenização por danos morais de R$ 9.990,00. A trabalhadora informou, na ação, que sofreu complicações na gravidez em decorrência do episódio, que colocou em risco a vida do feto, tendo sido, inclusive, afastada por dois dias do trabalho, com atestado médico.
Charge do Musa sobre Grávida

 Com recurso ordinário ao Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), as empregadoras conseguiram reverter o resultado. Foi o depoimento da própria trabalhadora, auxiliar de produção nas indústrias de embalagens plásticas, que serviu para que fosse extinta a condenação. Comparando depoimentos da autora e de testemunha por ela indicada, o TRT/PR julgou que o encarregado não agrediu fisicamente a trabalhadora, mas apenas segurou o braço dela para que não dormisse em seu posto de trabalho.
A autora contou, em audiência, que estava sentada na máquina quando cochilou e o encarregado viu, pegando-a pelo braço e dizendo que, se quisesse dormir, deveria ir para casa. Ela, então, bateu o cartão de ponto e foi embora. Anexado aos autos, o cartão registrou a saída dela antecipada naquele dia. Por sua vez, a testemunha afirmou que o encarregado, chefe de ambas, além de ter segurado o braço, também teria empurrado a autora, mas, por outro lado, declarou que o chefe “fazia exigências de serviço sem que para tanto saísse do tratamento normal, não sendo do tipo que cria confusão com todo mundo”.
Para o Regional, não há como dar credibilidade à reclamação da auxiliar de produção no que diz respeito às agressões, físicas e verbais, feitas pelo encarregado, porque a declaração da testemunha, quanto à agressão, não pode ser considerada, diante do que afirmou a autora em audiência. Segundo o TRT, é evidente a manifesta intenção da testemunha em favorecer a colega. Diante do exposto, não se verificou agressão à trabalhadora “capaz de gerar-lhe direito à indenização por danos morais”, entendeu o Regional, porque, para que se configure o dano moral, teria que ficar comprovado que a trabalhadora foi tratada de forma vexatória ou contrária à moral e aos bons costumes, e nada disso teria sido comprovado pela autora.
O Tribunal Regional no Paraná ressaltou, inclusive, que ainda que se entendesse pela existência de ato ilícito por parte das empregadoras, “mesmo assim não seria devida qualquer indenização, porquanto ausente prova robusta do nexo causal”. Além do mais, observou o TRT, não há nos autos prova conclusiva de que o fato de a trabalhadora ter sido acometida de complicações durante a gravidez, e posteriormente afastada pelo órgão previdenciário em razão de depressão pós-parto, tenha relação direta, única e exclusivamente com qualquer postura do empregador.
Nesse sentido, o TRT registrou a afirmação da autora admitindo ser fumante durante a gestação. O Tribunal Regional enfatizou que não há como responsabilizar exclusivamente as empregadoras por consequências que podem ter se originado, inclusive, de hábitos de vida da própria trabalhadora, tal como o tabagismo, “prática nociva à saúde e abominável, especialmente, durante a gestação”, concluiu o colegiado regional.
TST
Ao examinar o apelo da trabalhadora, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, relator na Primeira Turma, frisou que o recurso de natureza extraordinária, como é o caso do recurso de revista, não comporta o reexame de fatos e provas, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Dessa forma, torna-se inviável a reforma do acórdão regional, afirma o relator, se for necessário “novo exame das provas trazidas ao processo, como ocorre na hipótese dos autos, em que o Tribunal de origem consignou que o preposto da reclamada não praticou nenhuma conduta apta a vilipendiar a integridade física da obreira”.
Acompanhando o voto do relator, a Primeira Turma do TST, por unanimidade, não conheceu do recurso de revista da auxiliar de produção. (RR - 1867200-25.2004.5.09.0012)
Por Lourdes Tavares, da Secretaria de Comunicação Social do Tribunal Superior do Trabalho.
Disponível em www.tst.jus.br. Acesso em 22 fev. 20111.

sexta-feira, 30 de março de 2012

“Caí pra cima dela e a estuprei”

"CONSIDERANDO BEM...": “Caí pra cima dela e a estuprei”: A abjeta frase acima foi dita por um desprezível ser que, de forma repugnante, estuprou e matou uma menina de 12 anos de idade. 

A matéria, para quem tiver estômago, segue :Link!
Sei que a estória é pesada; mas, infelizmente, ocorre praticamente todos os dias nesse imenso pais continental, também grande em impunidade!

Toda vez que vejo uma ocorrência dessas veem-me à mente diversos doutores do Direito e agentes políticos, os quais na grandeza de suas hipocrisias, descasos e visões românticas de que o ser humano é sempre recuperável, criam mecanismos, leis e entendimentos voltados à mitigação da punição ou à completa impunidade.

De que adianta se postar, no art. 217 do Código Penal, uma pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos, se vigora no país a pretoriana (dos Tribunais) visão de que a pena há de ser a mínima?

Sim, pois o que ensejaria aumento da pena dos 8 para o patamar de até 15 anos seria o vetusto art. 59 do Código Penal, o qual está praticamente extinto do sistema penal brasileiro, graças a visões rousseauneanas do ser humano.

Os Tribunais têm, em verdadeiro o efeito manada de seguir doutrinados ditos humanistas e garantistas (veja que a vítima ficou fora disto!), decidido que vários elementos do artigo 59 são inconstitucionais, indevidos, dão choque, sei lá mais o quê, para justificar sua não aplicação, à Sua Excelência, o Criminoso!

Eis a visão absurda que tais doutrinadores e juristas irresponsáveis estão a apregoar:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidadeaos antecedentes, à conduta social, àpersonalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime

  • (culpabilidade) Não pode porque ‘a culpa já está na pena’... o fato de ter por exemplo o dever de zelo e cuidado, não altera nada...hum...
  • (antecedentes) Não pode porque ‘têm que transitar em julgado’, entenda-se, terminar todos os recursos possíveis e inimagináveis (já que de cabeça ninguém mais sabe quantos existem!!), o que leva a nunca ocorrer esse elemento!
  • (conduta social) Não pode porque o pobrezinho estaria sendo ‘punido por duas condutas’... ô dó!
  • (personalidade do agente) Não pode porque é muito ‘subjetivo’...só porque ele foi frio, sanguinário, usou requintes de crueldade, é voltado a transgressão..ah não, é muito ‘de cada um isso’! E está fora também esse elemento para aumento da pena!
  • (motivos) Não pode, já que ‘o motivo é inerente ao tipo penal’, ou seja, o que motivou realmente foi querer fazer o crime foi o tipo de crime? Ah? Pois é!
  • (circunstâncias) As ‘circunstâncias são comuns a cada forma de crime’..o fato de aproveitar por exemplo a guarda de uma criança para violentá-la não altera também...
  • (conseqüências) As ‘consequências são comuns aos crimes, como perda do patrimônio no roubo, perda da vida no homicídio’... mesmo que o roubo tenha deixado o cidadão paralítico? deixado o filho órfão? deixado a estuprada com transtornos psíquicos? Pois é!


Aí, como sempre digo que em Direito, conforme as regras de hermenêutica, pode-se buscar o entendimento que almejar (e que prevalece de acordo com o poder de imposição), por que ficar sempre com o que se volta pra impunidade do bandido, do estuprador, do corrupto?
Por isso, mantenho minha resistência a ‘entendimentos’ amparados por ‘teorias estrangeiras’ e visão do brasileiro a la primeira fase da geração romântica nos moldes de Gonçalves Dias!
Ninguém aguenta mais tanta disparidade entre ‘o mundo dos autos’ e o mundo em que vivemos!


Por Fernando Zaupa

Decisão emocionante

Juiz nega Justiça Gratuita para garoto, mas desembargador reverte a decisão

É simplesmente emocionante a decisão de um desembargador do Tribunal de Justiça e São Paulo. Um garoto pobre, que perdeu o pai em um acidente de trânsito pediu ajuda da Justiça Gratuita, mas um juiz negou. A negativa por si só já comove, principalmente pela falta de humanidade. Só que, a decisão de um desembargador é ainda muito mais emocionante.



Decisão do desembargador José Luiz Palma Bisson, do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida num Recurso de Agravo de Instrumento ajuizado contra despacho de um Magistrado da cidade de Marília (SP), que negou os benefícios da Justiça Gratuita a um menor, filho de um marceneiro que morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta. O menor ajuizou uma ação de indenização contra o causador do acidente pedindo pensão de um salário mínimo mais danos morais decorrentes do falecimento do pai.

Por não ter condições financeiras para pagar custas do processo o menor pediu a gratuidade prevista na Lei 1060/50. O Juiz, no entanto, negou-lhe o direito dizendo não ter apresentado prova de pobreza e, também, por estar representado no processo por "advogado particular".

A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a partir do voto do desembargador Palma Bisson é daquelas que merecem ser comentadas, guardadas e relidas diariamente por todos os que militam no Judiciário.

Transcrevo a íntegra do voto:

“É o relatório. Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.

Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai - por Deus ainda vivente e trabalhador - legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita por ele em paubrasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.

Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos. São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.

O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.

Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.

Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.

Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos...
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.
Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.

É como marceneiro que voto.

JOSÉ LUIZ PALMA BISSON - Relator Sorteado

domingo, 25 de março de 2012

Evolução histórica do direito processual penal.

Direito Penal Romano
De inicio, em Roma, a religião e o direito estavam intimamente ligados, o Pater Famílias consistia no poder de exercitar o direito de vida e de morte (jus vitae et necis) sobre todos os seus dependentes, inclusive mulheres e escravos. Com a chegada da Republica Romana ocorreu uma ruptura e desmembramento destes dois alicerces, a vingança privada foi abolida passando ao Estado o magistério penal.
"Roma foi o marco inicial do direito moderno principalmente no âmbito civil. No penal, embora tímido, conseguiram destacar o dolo e a culpa e o fim da correção da pena (...)" César Dário
Os romanos contribuíram para a evolução do direito penal fazendo a distinção do crime, do propósito, do ímpeto, do acaso, do erro, da culpa leve, do simples dolo e dolo mau (dolus malus), além do fim de correção da pena.


Direito Canônico
É o ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana. O vocábulo canônico é derivado da palavra kánon, que significava regra e norma, com a qual originariamente se indicava qualquer prescrição relativa à fé ou à ação cristã. Inicialmente o Direito Canônico tinha o caráter meramente disciplinar, porém com o fortalecimento do poder papal, este direito passou atingir a todos da sociedade (religiosos e leigos). Tinha o objetivo de recuperação dos criminosos através do arrependimento, mesmo que fosse necessária a utilização de penas e métodos severos.
Os delitos eram classificados em:
. delicta eclesiástica
: ofendido o direito divino, o julgamento era de competência dos tribunais eclesiásticos. A punição do infrator era dada em forma de penitências.
. delicta mere secularia
: quando a ordem jurídica laica fosse lesionada a competência era dos tribunais do Estado. O infrator era punido com penas comuns.
. delicta mixta
: delitos que violavam a ordem laica e a religiosa; a competência do julgamento era do primeiro tribunal que tomasse conhecimento do delito.
Esse direito deu uma atenção ao aspecto subjetivo do crime, combateu a vingança privada com o direito de asilo e as tréguas de Deus, humanizou as penas, reprimiu o uso das ordálias e introduziu as penas privativas de liberdade (ocorriam nos monastérios em celas) em substituição às patrimoniais. A penitenciária foi criada por este Direito: seria um local onde o condenado não cometeria crimes, se arrependeria dos seus erros e por fim se redimiria podendo voltar ao convívio social. Os tribunais eclesiásticos não costumavam aplicar as penas capitais até o período conhecido como a Inquisição[5]. Neste período passou-se a empregar a tortura, o processo inquisitório dispensava prévia acusação e as autoridades eclesiásticas agiam conforme os seus valores e entendimentos. Foi um período marcado por muitas atrocidades.

Direito na Grécia
Os atenienses, assim como os romanos, diferenciavam os crimes públicos
dos crimes privados. Como os primeiros afetavam diretamente a coletividade, sua repressão era feita pelo Estado; já os segundos, por serem considerados crimes de menor importância, a repressão dependia da iniciativa da parte. Entre aqueles que difundem que o nascimento do Tribunal do Júri se deu na Grécia, estão os autores Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida. Para eles, os embriões da instituição são dois órgãos gregos, a Heliéia e o Areópago:
Na Atenas clássica, duas instituições judiciárias velam pela restauração da paz social: o Areópago e a Heliéia. Ambas apresentam pontos em comum com o Júri, O Areópago, encarregado de julgar crimes de sangue, era guiado pela prudência de um senso comum jurídico. Seus integrantes, antigos arcontes, seguiam apenas os ditames de sua consciência. A Heliélia, por sua vez, era um Tribunal Popular, integrado por um número significativo de heliastas (201 a 2.501), todos cidadãos optimo jure, que também julgavam, após ouvir a defesa do réu, segundo sua íntima convicção. Parecem elementos bastantes para identificar aqui os contornos mínimos, o princípio ao qual a idéia de justiça popular historicamente se remeteria. (1996, p. 24). O mais célebre tribunal ateninese, o Areópago, julgava homicídios premeditados, incêndios, traição, e todos os outros crimes cuja pena era a morte. Um aspecto interessante do julgamento é que esse ocorria ao cair do sol, para que o acusado não fosse intimidado e ainda para que os julgadores não se impressionassem com as lágrimas e arrependimento. Ainda, as partes só podiam discutir matéria de fato, sendo proibida a utilização de artifícios oratórios para comover os presentes.  A Heliéia, que julgava causas públicas e privadas, era composta por cidadãos, escolhidos por sorteio, de conduta ilibada, não devedores do erário e com idade mínima de trinta anos. O julgamento ocorria em praça pública, era baseado na convicção íntima de cada jurado e as votações não eram secretas.                 Esse órgão era o centro da vida judiciária de Atenas e devido à instabilidade da democracia, bem como o despreparo do povo, que muitas vezes se deixava levar pelos discursos retóricos, foi alvo de severas críticas.


Evolução histórica do processo penal no Brasil

Na última metade deste século, ocorreram profundas transformações no cenário político ocidental, tanto no âmbito interno, como no internacional, repercutindo a nova onda de valores na forma de operacionalizar o sistema persecutório penal. Após a inclinação inquisitorial verificada nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, tendo como expressão maior o Código Rocco italiano, com suas conseqüentes influências sobre nossa legislação processual em vigor, o modelo inquisitório perde definitivamente espaço para o sistema acusatório, no qual há nítida separação das funções entre julgar, acusar e defender, além de retirar o acusado da condição de objeto do processo penal para alçá-lo a sujeito de direitos na relação processual. A Constituição de 1988, ao atribuir ao Ministério Público a exclusividade de exercício da ação penal pública, consagrou a concepção publicista que hoje domina o Direito Processual Penal. Através do Ministério Público, o Estado assumiu a titularidade da persecutio criminis in judicio, sem precisar comprometer a neutralidade judicial. No entanto, passados quase doze anos da promulgação da Lei Maior, sem nenhum reflexo do seu texto, juízes e tribunais permanecem aplicando o caput do art. 384, do Código de Processo Penal, que trata da mutatio libelli – mudança da imputação - conforme sua redação original. Neste breve ensaio, iremos discorrer sobre a recepção ou derrogação do supra citado artigo, face ao sistema acusatório contido no art. 129, inciso I, da Constituição Federal, através do estudo da evolução histórica do processo penal no Brasil, dos sistemas processuais utilizados ao longo do tempo, assim como, de vários princípios processuais, alguns encartados, inclusive, na Carta Magna. Os primeiros processos criminais no Brasil eram iniciados por "querelas" – delações de crimes feitas em juízo por particulares, no seu ou no interesse público – e por "denúncias" – feitas nos casos de "devassas". As "devassas" e o processo se faziam sem a presença do acusado. Vigia à época as Ordenações Manoelinas.
Posteriormente, entrou em vigor o Código de D. Sebastião, de curta aplicação, tendo em vista o reinado de Felipe II, de Castela, em 1580, sobre Portugal. Em 1603, foram promulgadas as Ordenações Filipinas – legislação que refletia ainda o direito medieval -, só substituídas, após a Independência do Brasil, pelo Código de Processo Criminal do Império, em 1832.

Podemos citar como os primeiros tribunais criados no Brasil:
. O Tribunal de Relações, em 1609, na Bahia, que se destinava a julgar os recursos das decisões dos Ouvidores Gerais, os quais conheciam das apelações interpostas às sentenças proferidas pelos Ouvidores das Capitanias e dos juízes ordinários;
. O Tribunal de Relação do Rio de Janeiro, em 1751, com competência semelhante ao da Bahia, mais tarde elevado à categoria de Casa da Suplicação, constituindo o Superior Tribunal de Justiça;
. O Supremo Conselho Militar e da Justiça, coincidindo com a vinda de D. João VI, além do Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordem. Após a proclamação da Independência, continuou a vigorar as normas editadas pelos reis de Portugal até que fossem editadas novas disposições legais. A organização básica do Poder Judiciário foi concedida pela Constituição de 1824 com a edição do Código de Processo Criminal em 29.11.1832, abolindo as "devassas" e as "querelas", que assumiram novas formas, agora com o nome de "queixas". As denúncias podiam ser oferecidas pelo Promotor Público ou por qualquer do povo, sendo possível o procedimento ex officio em todos os casos de denúncia. Como regra geral, a competência para o julgamento era centrada no Júri, estando excluídas as contravenções e os crimes menos graves.

Com a promulgação da República e a Constituição de 1891, os Estados passaram a ter suas próprias constituições e leis, inclusive as de caráter processual, no entanto poucos se utilizaram dessa faculdade de legislar.
A legislação processual penal foi unificada com a Carta de 1934 e, com o advento da Carta Constitucional de 1937, providenciou-se a promulgação do atual Código de Processo Penal – Decreto-lei n. 3.689/41 - que entrou em vigor em 01.01.42, tendo sido bastante influenciado pelo Código Rocco italiano.
O novo Código manteve o inquérito policial e o procedimento escrito, instalou a instrução contraditória e a separação das funções julgadora e acusatória, restringiu a competência do júri e eliminou, quase por completo, o procedimento de ofício. A Constituição de 1988 pôs fim aos últimos procedimentos ex officio, ao dispor em seu art. 129, inciso I, que é função institucional do Ministério Público "promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei" (grifos nossos), e o art. 5º, inciso LIX, ao permitir "ação privada, se esta não for intentada no prazo legal".

Com a afirmação da exclusiva titularidade do Ministério Público para o exercício da ação penal pública, ficaram revogados os preceitos que autorizavam a instauração do processo por portaria ou auto de prisão em flagrante (contravenções – arts. 531 a 538, do Código de Processo Penal; homicídios e lesões corporais, cuja autoria fosse conhecida no prazo de quinze dias – Lei n. 4.611/65) e, também, os que possibilitavam aos agentes de outros órgãos públicos, diversos do Parquet, o oferecimento da acusação, como era o caso da Lei n. 4.771/65, que dispõe sobre crimes e contravenções florestais.

- Sistemas processuais

Segundo as formas com que se apresentam e os princípios que os informam, são três os sistemas processuais utilizados na evolução histórica do direito, quais sejam, o inquisitivo, o acusatório e o misto.

- Inquisitivo

"Tem suas raízes no Direito Romano, quando, por influência da organização política do Império, se permitiu ao juiz iniciar o processo de ofício. Revigorou-se na Idade Média diante da necessidade de afastar a repressão criminal dos acusadores privados e alastrou-se por todo o continente europeu a partir do Século XV diante da influência do Direito Penal da Igreja e só entrou em declínio com a Revolução Francesa." No sistema inquisitivo encontra-se mais uma forma auto-defensiva de administração da justiça do que um genuíno processo de apuração da verdade. Compunham-se de três fases: a primeira, das informações; a segunda, da instrução preparatória; e, a última, do julgamento. O procedimento inquisitorial tinha caráter secreto e sigiloso, sempre escrito, não jungido ao contraditório e reunia na mesma pessoa as funções de acusar e julgar, e, às vezes, até mesmo, defender. O réu, nesse sistema, é visto como mero objeto de persecução, motivo pelo qual, práticas como a tortura eram freqüentemente admitidas como meio para se obter a prova-mãe ou rainha das provas: a confissão.

- Acusatório

"O sistema acusatório tem suas raízes na Grécia e em Roma, instalado com fundamento na acusação oficial, embora se permitisse, excepcionalmente, a iniciativa da vítima, de parentes próximos e até de qualquer do povo." Tal sistema floresceu na Inglaterra e na França, após a Revolução de 1789, sendo hoje adotado na maioria dos países americanos e em muitos da Europa. Historicamente, o que caracteriza o processo acusatório é a rígida separação entre o juiz e acusador, a imparcialidade, a ampla defesa, o contraditório e, em decorrência, a paridade entre a acusação e a defesa, a publicidade e a oralidade dos atos processuais, entre outros. Luiz Flávio Gomes, citando o italiano Luigi Ferrajoli, considerado um dos maiores defensores do garantismo, enfatiza que se pode chamar acusatório "todo sistema processual que configura o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o processo como iniciativa da acusação, a quem compete provar o alegado, garantindo-se o contraditório (...) podemos, ao contrário, chamar inquisitório o processo em que o juiz procede de ofício na busca de provas, atuando em segredo e por escrito, com exclusão de qualquer contraditório ou limitação deste. Em suma: é acusatório o modelo que respeita a proibição do ne procedat iudex ex officio". Da análise dessas principais características, nota-se a tendência garantista do modelo acusatório, enquanto o inquisitório aproxima-se do autoritarismo e da eficiência repressiva.

- Misto

No sistema misto, ou acusatório formal, há uma fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar, e uma fase final, em que se procede ao julgamento com todas as garantias do sistema acusatório. Surgiu após a Revolução Francesa com a introdução, em 1808, do Code d’Instruction Criminelle, seguindo-lhes as pegadas quase todas as legislações da Europa Continental, daquele mesmo século. Fernando da Costa Tourinho Filho(4) informa que, dada a tendência liberal à época, o sistema misto começou a sofrer sérias modificações, "e realmente, na própria França, a Lei Constans, de 8-12-1897, assegurava ao acusado o direito de defesa no curso da instrução preparatória. Antes mesmo daquela lei francesa, outros Códigos europeus, como o austríaco, o alemão e o norueguês, já haviam sido atingidos pela corrente liberal." Entretanto, a França, deixando-se levar por tendências autoritárias, restaurou o processo de tipo misto desde 1935, à semelhança do que ocorreu, também, em vários países europeus e até mesmo na América latina, como foi o caso da Venezuela.

- Sistema processual adotado no direito pátrio

A Constituição Federal assegura o sistema acusatório no processo penal, haja vista que:

As  funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais incumbem às polícias civis e à polícia federal, e inclusive à militar, no que diz respeito aos crimes militares – art. 144 e §§;


Estabelece  o contraditório e a ampla defesa, com o meio e recursos a ela inerentes – art. 5º, inciso LV;


A ação penal pública é promovida, privativamente, pelo Ministério Público – art. 129, I, embora seja assegurado ao ofendido o direito à ação penal privada subsidiária da pública – art. 5º, LIX;


A função de julgar está afeta a juízes constitucionalmente investidos – arts. 5º, LIII e 92;
assevera a motivação das decisões judiciais – art. 93, IX, e a publicidade dos atos processuais, podendo a lei restringi-la apenas quando a defesa da intimidade ou o interesse público o exigirem – art. 5º, LX. Às partes é garantida, ainda, uma gama de recursos na legislação infraconstitucional. Alguns são exclusivos da defesa, como o protesto por novo júri e revisão criminal. Como bem disse Afrânio Silva Jardim: "é certo que o atual Código de Processo Penal ainda consagra alguns resquícios do inquisitorialismo, consoante se pode constatar do exame dos arts. 5º, inc. II, 13, inc. III, 26, 10, § 3º, 531 e outros. Entretanto, a provável legislação processual penal varrerá de nossa ordem jurídica tais indesejáveis dispositivos, preservando o juiz dessas funções anômalas, porque persecutórias. Aliás, melhor seria que a própria Constituição da República, ainda que a nível de princípio, dispusesse no sentido de vincular o legislador ordinário à forma acusatória do processo penal brasileiro." As disposições dos arts. 26 e 531 do CPP, acima referidas, encontram-se revogadas pelo texto constitucional, como dissemos anteriormente.

Com efeito, restam no processo penal brasileiro, nos dias atuais, poucas reminiscências do sistema inquisitório, afora as supra citadas, podemos lembrar, por exemplo, o recurso ex officio – se bem que ponderáveis opiniões já sustentam sua extinção – e a possibilidade de o juiz determinar prova ex officio – art. 156, do Código de Processo Penal. Sendo assim, o modelo adotado não se trata do acusatório puro, mas é inegável que se aproximou do ideal.

- Princípio da correlação entre acusação e sentença

O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamado de congruência da condenação com a imputação, ou, ainda, da correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença, liga-se ao princípio da inércia da jurisdição, todos corolários lógicos do sistema processual acusatório adotado por nosso ordenamento jurídico. Conforme ensinamentos de Tourinho Filho, "iniciada a ação, quer no cível, quer no penal, fixam-se os contornos da res in judicio deducta, de sorte que o Juiz deve pronunciar-se sobre aquilo que lhe foi pedido, que foi exposto na inicial pela parte. Daí se segue que ao Juiz não se permite pronunciar-se, senão sobre o pedido e nos limites do pedido do autor e sobre as exceções e no limite das exceções deduzidas pelo réu. Quer dizer então que, do princípio do ne procedat judex ex officio, ou, como dizem os alemães, do princípio Wo kein Ankläger ist, Da ist auch kein Richter (onde não há acusador não há juiz) decorre uma regra muito importante, de aplicação tanto no cível como no penal: ne iudex ultra petita partium, isto é, o Juiz não pode dar mais do que foi pedido, não pode decidir sobre o que não foi solicitado".

Dessa forma, a sentença deve guardar plena consonância – plena correlação – com o fato delituoso descrito na acusação, estando vedados, pois, os julgamentos ultra e extra petita, sob pena de violação na separação orgânica entre órgão acusador e o órgão julgador.
Convém lembrar que a defesa do acusado se baseia nos fatos imputados, e são tais fatos que efetivamente vincula o juiz criminal, definindo a extensão do provimento jurisdicional.

-  Mutatio libelli

Pode acontecer que no decorrer da instrução processual surjam provas indicativas da existência de elementos essenciais não contidos, expressa ou implicitamente, na acusação – denúncia ou queixa. Se deve haver correlação entre sentença e fato contestado, e se este é o descrito na peça acusatória, é evidente que com a nova capitulação, não pode o juiz proferir sentença sem que se tomem certas providências. O art. 384, do Código de Processo Penal, assim dispõe: "Art. 384. Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de 8 (oito) dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas.
Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de 3 (três) dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas."

Como dito no início deste trabalho, nosso objeto de estudo restringe-se à mutatio libelli sem aditamento, ou seja, a disposição contida no caput, do supracitado artigo, razão pela qual não iremos abordar a outra modalidade de mudança da imputação – mutatio libelli com aditamento. Vimos que o processo penal brasileiro adota o sistema acusatório, onde há nítida separação entre o Estado-juiz e o Estado-acusador, não podendo o juiz proceder de ofício, e, em decorrência disto, deve haver perfeita consonância entre a imputação deduzida da denúncia ou queixa e a sentença, sob pena de violação ao princípio ne iudex ultra petita partium. Será que tais princípios estão sendo observados pelo disposto no caput do art. 384, do Código de Processo Penal? Deixa de haver alteração da imputação fática só porque será aplicada pena menos grave ao acusado? Pensamos que não. O procedimento deste dispositivo legal é um resquício do procedimento de ofício, totalmente indesejável num sistema acusatório. Se o acusado, por exemplo, é denunciado pela prática, em tese, de crime de estelionato, e, o juiz, após a providência encartada no caput, do art. 384 do Código de Processo Penal, condena-o por apropriação indébita, perante a diversidade fática entre estes crimes, tal magistrado assume claramente a posição de órgão acusador, age como se fosse o dominus litis da ação, visto que modificou, de ofício, a imputação dos fatos trazidos na acusação, não importando, pois, o quantum da pena aplicada. Sendo assim, a sentença condenatória, em que há mutatio libelli sem aditamento, afronta os princípios da separação de poderes, da inércia da jurisdição, da exclusividade do Ministério Público na promoção da ação penal pública, da imparcialidade, da congruência entre acusação e sentença, do contraditório, entre tantos outros.
Jaques de Camargo Penteado defende que a nova ordem constitucional revogou o art. 384 e seu parágrafo único, impedindo a baixa dos autos pelo juízo inovando a acusação ou a convocação do autor para suprir narrativa e pedido, alegando: "Primeiramente, esta regra afeta a inércia do julgador e, a seguir, fazendo-o parte, modula seu ato de forma similar à denúncia. Começando por outorgar iniciativa acusatória ao que deveria constitucionalmente permanecer inerte, termina por exigir de seu movimento as mesmas características formais da denúncia. Em nome da defesa social aproxima o juiz do acusador como o faz ao lhe ensejar iniciativa do procedimento sumário (art. 531 do CPP – revogado pela Constituição da República, RT 638/314). Praticamente, julga com antecipação, motivado que está ao acolhimento da matéria que espontaneamente levantou nos autos. Falta de denúncia, acusa para condenar ou convoca o acusador a delatar para acolher pretensão que ajudou a criar. É parte não julgador."

Concordamos que esta regra afeta a inércia do julgador e aproxima o juiz do acusador, no entanto o juiz ao proceder de acordo com o disposto no dispositivo legal em comento, não antecipa seu julgamento.
Com efeito, a manifestação judicial deve ser singela, sem aprofundamento, sem avaliação prévia, mencionando somente quais são as circunstâncias surgidas durante a instrução processual que poderão alterar a definição jurídica do fato. Adotada tal providência, o acusado poderá ser condenado tanto pela imputação inicial, que subsiste, como pelo fato diverso referido na manifestação judicial. Ainda em relação à mutatio libelli sem aditamento, eis o posicionamento de Afranio Silva Jardim: "Verdade que o legislador abriu a indesejável exceção prevista no caput do art. 384 do Código de Processo Penal. Entretanto, tal norma é de duvidosa constitucionalidade, sendo certo que, por ser de direito estrito, não deve ser interpretada extensivamente ou aplicada por analogia." Malgrado as respeitáveis opiniões acima descritas, a solução mais adequada ao sistema processual penal pátrio será o entendimento de que o dispositivo em comento é inconstitucional?
A jurisdição tem como um de seus escopos a pacificação social, e o Estado, ao tomar para si o monopólio da função jurisdicional, passou a ter o poder-dever de pacificar os conflitos de interesses. E qual seria o conflito de interesses no processo penal? A processualista Ada Pellegrini Grinover afirma que "da violação efetiva ou aparente da norma penal nasce a pretensão punitiva do Estado, que se opõe à pretensão do indigitado infrator à liberdade". E continua dizendo que o processo penal "é um processo de partes, em que existe lide e através do qual a jurisdição se opera; lide entre o Estado e o réu, com a pretensão punitiva de um lado e a pretensão à liberdade de outro."
É fundamental a identificação do fato imputado ao réu, uma vez que tal causa petendi será a base para a definição da coisa julgada, que no processo penal corresponde ao evento naturalístico trazido à apreciação judicial.

Valendo-se ainda como exemplo da denúncia pela prática do crime de estelionato, na hipótese de, concluída a instrução processual, o conjunto probatório demonstrar, ao contrário da acusação, a prática do crime de apropriação indébita, se acaso entendermos pela inconstitucionalidade do art. 384, do Código de Processo Penal, não restará outra alternativa ao juiz senão a absolvição do acusado.
          In casu, a jurisdição não terá pacificado o conflito de interesses entre a pretensão punitiva do Estado e a pretensão à liberdade do acusado, pois como vimos, pela particularidade da coisa julgada no processo penal, não poderá o Ministério Público promover nova ação penal sobre o mesmo fato.

CONCLUSÃO
Para que se possa compreender a filosofia e os princípios que regem o direito penal contemporâneo é preciso que se tenha uma visão do processo histórico que os precedeu. É inconteste que, com o aparecimento do homem sobre a terra, surgiu também o crime. Um dos mais antigos livros que se tem acesso, a Bíblia, já relata o assassinato de Abel por seu irmão Caim e a conseqüente pena de banimento que lhe foi aplicada por Deus. A invenção da escrita, que é o marco divisório entre a pré-história e a história, trouxe a possibilidade de gravação das leis, como o famoso Código de Hamurabi. Temos então, na gênese das civilizações, a preocupação, desde os povos antigos, com as regras que definem o crime e as penas a serem aplicadas aos infratores.
A história do Direito Penal é descrita em fases nas quais os princípios e aspectos distintivos não se sucedem de forma estritamente linear. As mais antigas são " A Vingança Privada" com a famosa Lei de Talião, " A Vingança Divina" onde direito e religião se confundiam e a "Vingança Pública" cuja principal finalidade era a segurança do monarca que detinha o poder absoluto. Depois veio o "Direito Romano" que foi o grande antepassado das leis atuais e introduziu conceitos inovadores como graus de culpa. Também o "Direito Germânico" inovou com a definição de uma "ordem de paz" que poderia se rompida pelo crime. O "Direito Canônico" substituiu as penas patrimoniais pelo encarceramento. O Iluminismo propiciou a conscientização de uma visão ética sobre o homem e o tratamento que a ele deveria ser dado. Surgiu, juntamente com a Teoria do Contrato Social, o "Período Humanitário" com a contribuição importante do Marquês de Beccaria, que teve um papel decisivo na elaboração de um novo Direito Penal mais compassivo e respeitador do indivíduo. As escolas penais são as diversas correntes filosófico-jurídicas sobre crimes e punições que apareceram nos Tempos Modernos. A Escola Clássica, de inspiração Iluminista, visa propiciar ao homem um defesa contra o arbítrio do Estado. A Escola Positivista encara o crime sob a ótica sociológica e o criminoso torna-se o alvo de investigações biopsicológicas com fundamentos que não resistem a uma análise mais minuciosa e negam o livre-arbítrio, base da responsabilidade inalienável que cabe ao homem por seus atos. A Escola Técnico-Jurídica iniciada em 1905 reage contra a positivista e objetiva a restauração do critério propriamente jurídico do Direito Penal como ciência.
A observação dessa abordagem cronológica propicia o entendimento da evolução do pensamento humano sobre o conceito e o significado de crime e sobre as penas que ao infrator devem ser imputadas. A construção da ciência do Direito Penal foi um processo lento, cheio de ensaios e erros, que passou por todas as gradações do profundo desrespeito à pessoa até à moderna proposta da valorização dos direitos humanos. Graças ao árduo trabalho de juristas competentes, cuja visão muitas vezes foi deturpada pelo chamado "espírito da época", mas cujo intento sempre foi melhorar a vida dos homens, foram sendo elaborados os parâmetros do legalmente certo e errado e das punições permitidas ao Estado. É pertinente ressaltar que nenhum Estado pode se sobrepor à justiça e que todos os atos de genocídios e expurgos são imorais, mesmo quando previstos por leis ditatoriais como o nazismo e fascismo. Não se pode perder de vista que ao ser humano deve ser outorgada toda a dignidade a ele inerente e que tudo que se contrapõe a isso seja repudiado com toda a força da lei. Como muito bem falou Thomas Jefferson "Nós abraçamos essas verdades por serem evidentes por si próprias: que todos os homens são criados iguais; que eles são investidos por seu Criador com alguns direitos inalienáveis entre os quais se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade".

Somente dentro de uma ética humanística poderemos edificar uma sociedade melhor e mais justa.


sábado, 24 de março de 2012

Contratos aleatórios.

Contratos aleatórios – Art. 458 a 461

Conceito e espécies
Contrato aleatório é aquele contrato oneroso em que não há certeza da existência da contraprestação ou da extensão desta. Contrariamente ao contrato comutativo, não há equivalência entre a prestação das partes, pois os contratos aleatórios são marcados pela presença da álea (sorte) ou risco.

Em alguns tipos de contratos, o risco é inerente ao próprio tipo contratual. Se o risco não existisse, o próprio contrato perderia sua razão de ser. Assim, são exemplos de contrato tipicamente aleatórios o seguro, o jogo e a aposta. Enquanto no jogo e aposta a álea tem caráter especulativo, no contrato de seguro o caráter é preventivo. Se inexistisse o risco, o jogo não existiria.

Além dos contratos tipicamente aleatórios, temos os contratos que são, por sua natureza, comutativos, mas que podem ser transformados em aleatórios pela vontade das partes. Exemplo clássico é o da compra e venda de coisas futuras. Neste caso, o risco pode dizer respeito à existência da própria coisa (emptio spei) ou apenas da quantidade da coisa (emptio rei speratae).

Risco com relação à existência da própria coisa objeto do contrato (emptio spei)
Nesta espécie de contrato aleatório, a contraprestação é devida ainda que a prestação não venha a existir, pois o risco diz respeito à existência do objeto (CC, art. 458). O comprador assume o risco de pagar o preço ainda que a coisa não venha a existir.

O pagamento do preço, nesta hipótese, não terá como causa a entrega da coisa futura em virtude do risco assumido pelo comprador. Não se vende a coisa propriamente dita, mas apenas a possibilidade de ela vir a existir.

O melhor exemplo é o contrato de venda de toda a safra futura. Se o comprador assume o risco pela existência de toda a safra futura, paga o preço ao vendedor, ainda que a safra se frustre em razão de uma forte seca que assolou a região. Entretanto, se o contratante age com dolo ou culpa e em razão disto a coisa inexiste, o outro contratante não está obrigado a cumprir com a sua parte no contrato.

Assim, se a safra futura se frustra em razão de uma praga bastante conhecida (broca da laranja, por exemplo) pelo fato de o vendedor não ter-se precavido por meio de pulverização, não poderá este exigir o pagamento do comprador, pois houve perda da coisa por culpa sua.

Risco com relação à quantidade da coisa futura (emptio rei speratae)
Nesta hipótese, parte-se da premissa de que a coisa objeto do contrato existirá em qualquer quantidade e que, portanto, o preço é devido e não sofre alteração ainda que a quantidade seja menor ou maior do que se esperava (CC, art. 459).

Ao contrário do que ocorre na hipótese anterior, o risco assumido diz respeito à quantidade da coisa, mas não com relação à sua existência. Se nada vier a existir, a alienação se desfaz e o preço não será devido (CC, art. 459, parágrafo único).

Se o contrato contiver a previsão de que se adquire o que vier da rede lançada ao mar pelo pescador, desde que algo venha, pagando-lhe R$ 100,00, teremos a seguinte conseqüência:
·         Se nada vier, a compra e venda está desfeita (resolução) e o comprador não terá que pagar o preço;
·         Se a rede contiver apenas um peixe, o comprador continua a pagar o preço.

O comprador só se livra do pagamento do preço se houver culpa da outra parte na quantidade da coisa obtida. Assim, se o pescador lança a rede que está cheia de furos e poucos são os peixes pescados por esta razão, pode o comprador não efetuar o pagamento do preço.

Risco com relação à coisa já existente
A terceira hipótese de contrato aleatório previsto em lei diz respeito aos casos de que a coisa existe (não se trata de coisa futura), mas está exposta a um risco.

Imaginemos o caso de o dono de certo imóvel ser réu em ação reivindicatória pela qual um terceiro alega ser verdadeiro proprietário da coisa. Se o réu na ação em questão resolver vender a casa e avisar ao comprador que a coisa existe, mas há riscos de ocorrer sua perda em razão da demanda, estamos diante de um contrato aleatório.

Também, se o alienante avisa o adquirente que a mercadoria está bloqueada no porto em razão de greve dos portuários e que, em razão da demora na liberação, poderá estar com a data de validade vencida, e este aceita assumir os riscos (certamente negociando redução de preço com o primeiro), o negócio é válido e o preço deve ser pago, mesmo que a greve demore muitos meses e a validade dos produtos se expire.

Assim, se o adquirente, ciente do risco de perda total ou parcial da coisa, assume o risco, o alienante terá direito ao valor integral do preço, ainda que a coisa pereça total ou parcialmente (CC, art. 460). Não responderá o alienante por evicção, nem por qualquer outro dano que a coisa venha a sofrer.

Entretanto, a lei determina ser nulo o contrato em questão, se na data da contratação o risco já havia se consumado e o contratante disto tinha ciência (CC, art. 461). A lei não poderia prestigiar a má-fé do contratante que, ciente de que o risco já se consumou, não informa o outro contratante e celebra o contrato.

Retomemos o exemplo da mercadoria do navio em questão. Se o vendedor, na data do contrato, já sabe que o prazo de validade da mercadoria expirou, e dolosamente oculta tal fato do comprador, não terá direito ao preço, pois o risco já tinha se consumado. Neste caso, o risco não mais existia em razão de o evento estar consumado.

Da mesma forma, se determinado vendedor aliena um lote de mercadorias que está no Iraque e, em razão da guerra, ocorre riscos de não conseguir sair do país, o comprador que assume o risco pagará o valor, ainda que a mercadoria não chegue a seu destino. Entretanto, se o vendedor, na data do contrato, já sabia que a mercadoria fora destruída durante a guerra (o risco já se consumou), perde o direito ao preço, diante de sua evidente má-fé.

Prevê a lei que se trata de anulação do contrato por dolo do contratante. Na realidade, se a coisa já não existe em razão do risco, o contrato tem um vício na sua formação, qual seja, a inexistência do objeto, ferindo o disposto no art. 104 do atual Código Civil.